Entrevista completa com Toninho Mendes, um dos maiores editores gráficos do Brasil ao melhor estilo “Gibis, drogas e Rock’n’Roll”
Ele fala de um jeito desbocado e eletrizante, uma metralhadora verborrágica. É editor gráfico. Passou pelos jornais Versus e Movimento e pela revista IstoÉ, na época da redação “the best”, ao lado de Mino Carta. Seu trabalho como artista na estética do jornalismo era conciliado com suas paixões por quadrinhos. Sua vida era cercada de amigos, humor, tiras, desenhos. Toninho Mendes era um aficionado por quadrinhos na infância, tendo trabalhado em uma banca quando garoto para poder ganhar gibis de graça. Atuou no meio editorial, tornando-se o editor responsável por lançar uma turma talentosíssima que incluía Angeli, Luiz Gê, Glauco e os cartunistas que fizeram a Chiclete com Banana. Tudo por intermédio da Circo Editorial. A intensidade com que sempre tocou seus projetos – e a própria vida – talvez seja explicada pela imersão nas drogas, sobre a qual fala com tranquilidade. “A Circo nasceu em uma noite de cheiração de pó na minha casa”, revela. Mendes é rascante, sem meio-termos. Política cultural, ele crê, começa pela boca: onde não se come, não se contam histórias… Toninho, como você começou? Como empresário, poeta e editor? Nasci em Itapeva, no interior paulista, e mudei para São Paulo em 1959, quando eu tinha cinco anos. Um detalhe que digo para as pessoas é que me mudei para a Casa Verde. Porque São Paulo são muitas cidades. Se eu tivesse mudado para a Mooca ou Lapa, eu viraria outro ser humano. Mas mudei para a Casa Verde, nas margens do Rio Tietê, um bairro de delinquentes (risos). E eu sou delinquente por natureza. Nasci assim. Eu não durmo, por exemplo. Desde quatro, cinco anos de idade, durmo cinco horas por noite. É o meu limite. Passou disso, eu fico louco. Meu pai tinha um bar em São Paulo. Fui criado dentro de um bar, a minha casa era interligada com o boteco. A minha história de ser editor tem muito a ver com a infância, porque eu era um colecionador obsessivo de gibis. De certa forma, uma das coisas que eu gostava de fazer era desenhar. Comecei a ler gibi muito cedo: O Fantasma, O Cavaleiro Negro, Batman. Antes de entrar para a escola, eu já sabia ler e escrever, por influência da minha avó, que lia a Bíblia para mim. Começa cedo a minha relação tanto com o desenho quanto com a escrita. Na escola, sempre fui um aluno mediano. Eu era de família classe média para baixo. Nessa época, eu não tinha recurso para comprar a quantidade de gibi que satisfaria a minha vontade, não podia comprar. O universo em torno do gibi é uma coisa que as pessoas não entendem hoje. Você encontrava uma pessoa que tinha o número 12 de O Fantasma e trocava pelo número 8 do Capitão Marvel, mas se você arrumasse um Tio Patinhas poderia trocar por um Almanaque do Fantasma. Assim, fiquei amigo do Manelão, dono de uma banca na Rua Jaguaretê. Ele já tinha uns cinquenta e poucos anos na época, e comecei a trabalhar com ele. Eu chegava na banca às 6h da manhã e, depois, entrava na escola às 7h30. Eu o ajudava a tirar as coisas do caixote e a colocar em cima da bancada. Quando eu saía da escola ao meio-dia, ia ajudar a desmontar a banca. A gente acabou criando uma relação comercial amigável, ele me dava uma ou duas revistas de presente. Aí começa minha relação atávica com gibis. Até cinco anos atrás eu tinha três mil gibis, hoje ainda tenho uns 200. Fui me desfazendo por falta de paciência para guardar, porque eu não virei um colecionador profissional. Não me adaptei à escola. Larguei na quarta série. Comecei a trabalhar três dias depois de completar 14 anos. Eu precisava trabalhar. Era office boy no antigo Banco de Investimentos do Brasil. Eu não quis continuar fazendo a escola porque, por vias tortas, eu tinha lido muito. O seu Carlos, um farmacêutico que eu conhecia, tinha a coleção inteira da editora Saraiva. Ele tinha um carinho com os livros e dizia: “Serão seus quando eu morrer”. E deixou para mim a coleção inteira da Saraiva. Acabei lendo o que eu queria e o que eu não queria. Tive um conhecimento bem desbaratado que me afastou mais ainda da escola. Estou falando de 1968, quando tem um monte de coisa acontecendo no mundo. Uma das coisas que me pegou, e pegou minha geração, foi a música. A outra, as drogas. Comecei a fumar maconha muito novo. Com 10 anos eu sabia o que era maconha, pervitin… cocaína ainda não existia, crack também não e heroína era uma coisa rara. Bebida, maconha e pervitin tinha a rodo. Eu morava do lado do Parque Peruche, ali na Casa Verde, um lugar clássico de banditismo, vagabundagem. Toninho, como você chegou nas artes gráficas e no jornal Versus? Antes do Versus, tem a Escola Protec [centro de tecnologia fundado em 1958], eu vou chegar lá. Quando eu tinha 15 anos, eu frequentava a igreja. E tinha um semipastor gay que tentou explicar a um bando de moleques que, se sugerisse a um cara que ele ia virar viado, o cara virava homossexual. Adivinha quem os caras acharam que podia virar viado? (risos). Eu passei algumas dificuldades, porque eu morava em um bairro de delinquentes. Por princípio, eu era um cara delicado de rosto, aquela época dos Beatles, cabelo comprido, não tinha barba, magrinho. Deu muito trabalho administrar isso. Eu fui, dei, fiz tudo que eu tinha direito e disse: “Não gosto de homem, de pinto, do cheiro, da pele, do desenho do caralho, não é o meu negócio”. Então, eu me afastei do bairro. Decidi curtir a coisa do desenho, a influência que veio também do Pasquim. Já era amigo do Angeli desde os 13 anos. Tivemos uma afinidade imediata. Quando vi o Pasquim eu já gostava muito de desenho, en tão decidi que queria ser desenhista. Fui para a escola Protec, só que eu não podia estudar à noite, porque minha