Entrevista de Fernando Faro, o Baixo, para o Produção Cultural no Brasil

  Seu apelido entre os grandes músicos é “Baixo”. É o maior responsável pela preservação da memória televisiva brasileira. Questionado sobre o rótulo, não se faz de rogado: “Sim, eu me acho!”. Ele é Fernando Faro, jornalista, produtor musical e diretor do programa Ensaio, criado em 1969 na finada TV Tupi, depois reposicionado na grade da TV Cultura, onde perdura até hoje.

O Ensaio – um mix de entrevista com performances musicais – se tornou mítico por seu formato inovador, que valorizava o tom informal, às vezes errante, das conversas com os músicos. Daí o nome do programa. “Comecei a achar o erro bom, bonito”, diz Faro sobre a ideia de explorar situações como a apresentação desafinada de um cantor, por exemplo, que no mainstream televisivo seriam naturalmente escondidas na edição. Grande parte desta produção musical já foi digitalizada e relançada em CD, DVD e livro.

Até por essa característica, Fernando Faro ficou marcado pela grande intimidade que estabelecia com seus entrevistados, a despeito das frequentesdificuldades de borderô – ou falta dele – na produção. Certa vez, tentou convencer Caetano Veloso a aceitar R$ 1 mil por uma participação. Em outra, ainda na TV Tupi, pagou do próprio bolso o táxi para que Théo de Barros pudesse voltar para casa. Paulinho da Viola, por sua vez, nunca aceitou um centavo. Mas Faro pagava-lhe o almoço.

Quem é “Baixo”?
Nasci em Aracaju, em Sergipe, naquela Praça Fausto Cardoso, antiga Praça do Palácio, que eu só conheci depois. Fui pequeno para Laranjeiras, mesmo estado, onde morava minha família. Rua Direita, número 8. E acho, afinal, que eu sou um metido (risos). Se eu tivesse que escolher um país para nascer, escolheria o Brasil. E sobre Laranjeiras, local da minha infância, é como o Mário de Andrade falou de São Paulo: “Comoção da minha vida”.

Como foi seu começo? Foi no jornalismo, certo?
Fui trabalhar em jornal. Comecei em um jornal comunista aqui de São Paulo. Depois, fui para o jornal A Noite e Jornal de São Paulo. Lá me deram a coluna de cinema, teatro. Comecei a me interessar pela representação, pelos atores. Fui depois para a Rádio Cultura, que não tinha nada a ver com o governo do Estado. E, de lá, fui parar na televisão. Uma noite, fui em uma churrascaria e quem estava lá era o Demerval Costa Lima, o dono das comunicações de São Paulo e um pouquinho do Brasil. E ele chamava todos de “figura”. Aí ele chegou na minha mesa: “Ô, figura! Você não quer trabalhar comigo, não?”. Ele, naquele tempo, era o dono da TV Paulista, da Rádio Nacional. E eu disse: “Pô, Costinha, com o maior prazer”. No dia seguinte, fui à direção artística da TV.  O Costinha chegou e disse que eu ia começar no jornal e depois me passaria para a área artística. Fui. Era o grande jornal da TV Paulista, presidido pelo jornalista Carlos Rizzini. Também trabalhava lá o Evaldo de Almeida Pinto.
Sete ou oito meses depois, o Costinha perguntou se eu iria permanecer no jornal. O Rizzini não queria me liberar, mas um dia o Costa Lima chegou e disse: “Figura, eu quero que você quebre um galho para mim. Tenho um ‘musicalzinho’ de tarde na TV. Queria que você fizesse”. Adivinha com quem era o musical? Hebe Camargo e a irmã. Depois disso, fiz coisas assim inesquecíveis. Por exemplo, a cobertura da caçada por Promessinha e Jorginho, dois bandidos famosos na época. Quando terminava o trabalho no jornal, eu pegava o cinegrafista, cupincha meu, e ia com ele atrás dessa história. Pouco depois, o Promessinha foi preso. Aliás, tem uma foto do Nelson Gatto, repórter policial de A Última Hora, segurando o Promessinha com uma gravata. E ele disse assim: “Deixa comigo que eu dou o Jorginho para você”. Uma noite cheguei no jornal e me disseram que tinham prendido o Jorginho. Arrastei um comigo e fomos para a delegacia. Cheguei lá na polícia, mas não podia entrar com gravador na cela. Dei o microfone para o Jorge e fiquei com o equipamento de gravação do lado de fora. Perguntei: “Você matou o japonês? Passou com o carro em cima dele?”. E ele: “É, mas ele já estava morto. E quase que eu peguei você também”. Aí lembrei que na noite anterior eu tinha ido na Favela do Vergueiro atrás do Jorge, porque tinha a  possibilidade de encontrá-lo. Lá me mostraram o barraco dele. A luz na frente estava acesa, atrás também. Bati, bati, chamei por ele. Ninguém respondeu. Mas ele estava lá.

Muita coragem...
É, foi assim. Eu entrevistei o Jorge na delegacia e só tinha microfone para ele. Eu não tinha. Então, eu fazia a pergunta e ele respondia. Peguei o material e levei para a TV Paulista. Ouvi a gravação que só pegou as respostas dele e pensei: “Porra, isso dá para usar legal”. Assim começou aquele negócio de fazer a pergunta sem ninguém ouvir e conseguir as respostas. O início doEnsaio.

Como é que foi essa transição? Do jornalismo para um programa musical?
Do jornal da TV Paulista, depois de dois anos, cheguei para o Rizzini e disse que precisava sair, que não aguentava mais aquele caminho. Ele disse assim: “Vou te dar uma carta. Você leva para o Cassiano Gabus Mendes”. Peguei a carta e fui na Tupi, que ficava ali no bairro do Sumaré. Encontrei o Cassiano e entreguei a carta. Ele falou que não precisava daquilo, disse que o Dionísio Azevedo, Demerval Costa Lima, José Castellar, o pessoal todo não se cansava de falar de mim. Então, sugeriu que eu fizesse uma edição do TV de Vanguarda [programa semanal de adaptações literárias]. Concordei. Era uma segunda-feira e ele queria para o fim de semana. Lembrei do livro O Tempo e o Vento, do Érico Veríssimo, que tem vários romances. Peguei um deles e fiz uma adaptação, que foi ao ar. Dois meses depois, veio um comunicado do Cassiano pedindo para renovar meu contrato por dois anos. Eu tinha um contrato experimental de três meses. No novo contrato com a Tupi, já me propuseram fazer televisão e rádio juntos.

Sua relação com a música veio antes do trabalho na rádio e na TV? Você ouvia muita música?
Não. Minhas lembranças de música são de Laranjeiras, sabe, danças dramáticas, chegança, cultura popular. Tinha um cara chamado Zé Pólo, que era uma espécie de guarda-costas da família. Ele fazia o papel do padrinho, em uma das naves da chegança [dança dramática popular no Nordeste]. E era um cara pelo qual eu tinha muita admiração. Depois, ele me decepcionou muito, porque uma vez o meu avô me levou para ver uma matança de bois. Lembro que em Laranjeiras tinha um matadouro atrás do campo de futebol. Meu avô me acordou às 3h da manhã e me levou. Atravessamos um rio raso de lá, chegamos, e fiquei vendo. Eles pegavam o boi pelos chifres e amarravam em um mourão. Vinha um cara e dava uma facada no pescoço. O sangue começava a correr e o boi a mugir. Até morrer. E um desses caras da facada era o Zé Pólo. Me desiludi. Lembro bem que eu estava vendo, meu avô chegou e disse assim: “Menino, você está chorando? Eu disse: “Não, vô, é um argueiro”. E ele disse: “Ah, é? Porque homem não chora, viu!”.

Quando você retomou o gosto pela música?
Na TV Tupi. O Cassiano me pediu para fazer um programa no domingo ao meio-dia, chamado Hora de Bossa. Que era um programa só com o pessoal da bossa nova: Geraldo Vandré, Alaíde Costa, Pery Ribeiro, Marisa Gata Mansa, esse pessoal. O negócio da música na minha carreira começou aí.

E o Ensaio? Como nasceu a estética do programa?
A primeira ideia do Ensaio foi para um programa que eu fiz de Natal. Comecei a gravar e os caras estavam arrumando o cenário. Não lembro com quem era a gravação. Talvez Marcos Valle ou Chico Buarque. Sei que, de repente, comecei a achar o erro bom, bonito. O artista errava e pedia: “Não, não é isso. Eu queria dizer isso assim”. Aí repetia. Então, essa repetição é que era novidade. Às vezes, o cantor falava: “Desafinei, dá para voltar?”. Dava. Eu voltava, mas ficava o erro.

Como isso era recebido?
Tinha uns caras que não gostavam. E tinha outros que achavam uma coisa assim muito legal. Muitos convidados divergiam, mas eu pensava nesse negócio do erro, no enquadramento, o quadro todo. Quando a gente vai ver um show, a gente vai e não olha o artista. Não o vê logo. Primeiro, o plano geral não identifica ninguém. Depois, passei a usar essa coisa mais próxima. Closes, mãos. Quando estou vendo um show, fico olhando a boca, os olhos, a orelha…
Aí pensei em fazer isso na televisão. E foi o que eu fiz.

E como faz uma boa entrevista? Qual é a mágica? Muitos dos convidados você conheceu desde o começo, outros já eram monstros quando você foi entrevistar…
Entrevista serve para conhecimento, para a gente conhecer as pessoas, saber do mundo, da alma. Acho muito importante isso. Conhecer a alma, conhecer o mundo por meio das pessoas. Vou contar uma história da Wanda Sá. Cheguei para ela e perguntei sobre o Edu Lobo. Ela conheceu o Edu em uma festa. Contou assim para mim: “Ele apareceu e eu disse para uma amiga minha que iria me casar com aquele cara! E casei, tivemos um filho”. Todo mundo sabe que eles se separaram depois. Aí, entra a coisa do toque, do tátil. Na gravação, eu peguei na perna dela e perguntei se tinha doído muito. Ela disse: “Doeu, Baixo”. E começou a ficar com os olhos cheios de lágrimas. Essa coisa tátil aproxima a gente.

O Ensaio foi a concretização dessa relação afetiva, de segurar na mão?
Não é a concretização. O Ensaio é a conversa que eu tenho com eles antes de chegar nesse momento mais próximo.

É mais fácil entrevistar quem você já conhece ou alguém que você está descobrindo?
Tanto faz. Vejo o artista como um ser humano. E é isso que eu tenho a intenção de pegar. Do ponto de vista musical, o Ensaio é como se fosse um horizonte. Onde cabem Tonico e Tinoco, Hermeto Pascoal, Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, essa diversidade, essa variedade. É assim que eu vejo a música brasileira.

Como você une entrevista e música? No Ensaio, como você perguntava   para Elis Regina contar a vida dela e depois cantar Dolores Duran?
Ah, eu pego pela música, eu digo: “Essa música minha mãe cantava muito”. Aí ela começa a cantar. Mas a Elis foi o seguinte, eu fui muito amigo dela. Ela  passou três meses lá em casa, inclusive. Ela, os dois filhos e o César Camargo Mariano. A Maria Rita era vesga à beça (risos). E Elis eu achava uma mulher fantástica. Fantástica como amiga, como pessoa, tanto que, quando eu a chamei para fazer o Ensaio, ela disse: “Se você for, eu vou”. Eu a pus no carro e levei para a TV.

Não é irônico um programa musical assim nascer dentro da delegacia?
Para mim, a forma foi um achado. O fato de ter sido em uma delegacia tem um lado negativo que remete aos tempos da ditadura, quando eu vivi momentos sufocantes. Teve uma vez, na década de 60, que eu estava fazendo Colagem, na TV Tupi, com o Cassiano Gabus Mendes, Antônio Abujamra, Lima Duarte e outros. Nesse programa, eu peguei um rato, pus em uma mesa cercada e fiz com que o rato chegasse ao queijo da ratoeira. Ele ficava bordejando ali e, no último instante, mordeu o queijo, a ratoeira baixou e ele ficou estrebuchando, mas não matou. Eu lembro que um câmera chegou e disse assim: “Baixo, dá para salvar”. Eu disse: “Mas não passa de um rato”. E o bichinho morreu. Isso deu no jornal. Naquele tempo tinha um negócio da Argélia, dos franceses da revolução na Argélia. E tinha uma cena que eu pus nesse mesmo programa, que era de um guarda que conversava com uma criança, aí dava as costas e ia embora. Quando saía, a criança chegava em uma lata de lixo, pegava uma arma e dava seis tiros. Lembro que o jornal O Estado de S. Paulo fez um artigo contra mim: “Violência na TV”. Pergunta se falou da criança? Não. Falou só do ratinho.

Programas musicais só resistem na televisão pública aberta? É o espaço onde se consegue falar sobre música hoje em dia?
Não. A TV Globo está fazendo também um programa que vai ao ar meia-noite, meia-noite e meia. Som Brasil. É o interesse pelo artista, pela figura, pela vida. Mais pela música do que pela vida.

Existe diferença tecnológica entre seus primeiros musicais e os de hoje?
Naquela época tinha um microfone para o baixo, para a bateria, para o cantor, para o violão. E hoje você tem mesas, canais de som para essas coisas todas. Mas não acho que interfere tanto a questão do equipamento. E esse monte de coisas é para que você veja por trás disso, o sangue, a vida….

Faro, todos que falam nesse projeto contam histórias de que uma boa obra depende também de uma equipe…
A equipe é tudo. Hoje, por exemplo, quando eu vou fazer um programa, os câmeras já sabem como eu gosto. Os iluminadores já sabem a luz que eu quero. A equipe é o miolo da coisa.

Gostaria que falasse sobre a importância do dinheiro – ou da ausência dele – nas suas produções. É possível fazer gravações de musicais sem recursos?
No comecinho, não tinha recurso. Eu lembro que a luz que eu fazia era com panela. Era um panelão lateral, de fundo. Uma vez levei o Théo de Barros na TV Tupi. E o instrumento dele era o contrabaixo, de madeira, desses acústicos. E ele precisava levar o instrumento para a TV. Dei dinheiro meu para pagar o táxi. Não tinha recurso.

E isso mudou, para você, com o tempo? Ou continua não tendo dinheiro mesmo?
Continua. Teve um tempo em que, para todo artista que vinha na TV Cultura, eu dava R$ 1 mil – ou o equivalente em cruzeiros. Quando veio o Caetano Veloso, eu dei. E ele: “Baixo, eu não quero isso”. Eu disse: “Mas é o que tem”. E ele: “Não, mas eu não quero. Eu vim aqui porque você me chamou”. O Chico Buarque veio para cá e não tinha violão. Eu trouxe meu violão de casa para ele. Ele gostou tanto do violão que disse: “Vou ficar para mim”. Aí eu disse: “Não”. E sei lá, uns meses depois, ou um ano, eu peguei de volta. Com o Paulinho da Viola, por exemplo, eu fiz uns cinco programas. Nunca dei um tostão para ele. Mas, claro, não ter dinheiro é um problema.
Mas não lido com isso. E não lembro de ter tido patrocínio fixo para nada do que fiz. Aliás, teve um espetáculo que eu fiz, um programa de televisão também, chamado Mais cor na sua vida, quando começou a TV em cores. Era tema da campanha da Philco ou Philips. Então nós fizemos esse show. Aí teve dinheiro para pagar Vinicius de Moraes, Trio Mocotó, Toquinho, Jorge Ben. Só isso. Na maioria das vezes, foi tudo por amizade.

Conte sobre o projeto Kalunga, que você produziu fora da TV, levou brasileiros para Angola. Como foi essa história?
Isso foi em 1980. Eu tenho uma casa em Guaratiba, no Rio. E quando eu cheguei no Rio, para ir para Guaratiba era um problema. O Chico Buarque, que eu tinha conhecido em São Paulo, me emprestou um jipe. Eu saía de Guaratiba e ia para casa do Chico. Aí um dia passei e ele estava estudando clarinete. Um desastre. Eu disse: “O que é? Abel Ferreira?”. E ele: “Não. Caymmi”. Lembro disso bem. Aí ele diz: “Ligaram para mim em nome do presidente angolano Agostinho Neto, querendo fazer um show comigo em Luanda. Você topa dirigir?”. Eu disse: “Pô, Chico, eu estou muito longe, acho um desperdício a gente ir até Luanda fazer um show só com          você. A gente devia reunir umas pessoas e fazer um show assim como se fossem artistas do Brasil solidários com os angolanos em Luanda, que libertaram a cidade”. Não sabia quem iríamos chamar. O nome disso seria Kalunga. Eu tinha lido um artigo do Mário de Andrade, A Kalunga dos Maracatus, que era a boneca do Maracatu. E é uma boneca que a rainha do Maracatu vai passando para o pessoal do bloco para energizar as pessoas. E então Kalunga, segundo Mario de Andrade, era céu, mar, morte.
Mas o Chico resolveu ligar para Luanda e checar. Falou com o secretário da Cultura e o cara respondeu que era “amor ou morte”. Aí fizemos e começamos a chamar as pessoas. O Adail Lessa, diretor de elenco da Odeon, começou a chamar também. O mais encantador e misterioso foi o Dorival Caymmi. Ele ia fazer um programa na Tupi aqui e às vezes eu gravava no Rio, naquele bar…

Na Urca?
Isso. Uma vez, quando estava gravando, vieram o Francis Hime, a Gal Costa, os Novos Baianos, para gravar o Caymmi. Enquanto o Caymmi estava lá, eu cheguei para ele e disse assim: “O que você acha de ir com a gente para Angola? Chico e eu estamos organizando um grupo”. Ele disse: “Acho maravilhoso, porque a gente veio de lá, não é?”. Depois um diretor de shows chegou para mim e perguntou: “Os Novos Baianos estão querendo dar uma esquentadinha, pode?”. Eu disse que sim, claro. De repente, o cara chega: “Não dá para ir lá embaixo, está o maior cheiro de maconha”. (risos)

Qual foi a equipe que foi para Angola?
Nessa gravação do Rio teve outra interrupção. Acabei com a Gal, gravei com o Francis e com os Novos Baianos. Acabou às 3h da manhã e comecei a conversar com o Dorival. Fiz ele contar a vida toda, desde antes da Carmem Miranda. Quando terminou, ele perguntou se o convite para Angola estava valendo. Eu disse que sim e ele falou que ia. Liguei para o Chico às 3h30 da manhã e contei que o Caymmi ia com a gente. Mas ainda faltava gente. Aí o Lessa me avisou que o Edu Lobo não ia mais. Falei com ele: “Porra, você não vai?”. E a reposta: “Baixo, é para ir mesmo? Pensei que você estava bêbado quando propôs”. Então, Edu Lobo e a Wanda Sá foram.

Martinho da Vila foi também, não?
Foi. O Martinho já conhecia Angola. Então eu o chamei para ajudar a gente. Aí foi Martinho, Djavan, João Nogueira, Alcione, Miúcha, Dona Ivone Lara, Clara Nunes… O Chico escreveu até uma música lá, que a Clara depois gravou: Morena de Angola.

O que você achou da recepção de Angola com os artistas brasileiros?
Achei fantástico. Achei o povo assim caloroso, entusiasmado. Lembro que o primeiro show que eu fiz em Angola era para ser em um teatro de nome espanhol. Aí eu disse para o pessoal que iria fazer em um espaço que ficava perto de uma favela, lá se chama musseque . A gente chamaria a atenção para a favela. Era importante que os artistas angolanos e de outros países vissem aquele espetáculo. Porque eles vão recomendar. Lembro que nesse primeiro espetáculo teve um problema sério, porque tinha Francis Hime e uma porção de gente que tocava piano e não tinha instrumento no ginásio. Os caras passaram o piano por cima da arquibancada.

Funcionou?
Funcionou. O espetáculo começou com a Elba Ramalho, que fazia uma cantadora cega, com uma música do Elomar, Viola, violeiro. Depois, ela dizia: “Meu nome é Elba Ramalho, eu sou da Paraíba”. E terminava com Cio da Terra, do Milton Nascimento e Chico Buarque.

Muita gente o considera o principal responsável pela memória da música na televisão brasileira. O que você acha desse rótulo?
Eu me acho (risos).

Você ajudou a guardar a memória recente da música. E agora a gente tem um novo cenário musical. Como será daqui para frente? Como gostaria que fosse?
Gostaria que tivesse mais vida. Lembro do poeta surrealista André Breton com seu amor à vida e quando ele citava Rimbaud para dizer que a verdadeira vida estava ausente. É isso que eu vejo. A gente tem que fazer programas de televisão, entrevistas, música, mas lembrando desse espírito da década    de 30. O Breton se inspirava na máxima: “Viver e deixar viver é que são as soluções imaginárias”.

Entrevista realizada por Aloisio Milani e Sergio Cohn no dia 19 de maio de 2010, em São Paulo.
Para assistir esta entrevista em vídeo: https://producaocultural.procomum.org/2010/08/06/fernando-faro/

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