Conhecer a marcha, e ir tocando em frente (ou, tomar pé na maré desse verão)

Por Roberto Taddei

Dentre todos os responsáveis pelo projeto Produção Cultural no Brasil, eu sou o menos, responsável. Estive em um encontro no momento da formulação do projeto, e de outro na definição dos 100 nomes a serem entrevistados. Depois disso, disse adeus e boa sorte a todos e fui pra casa.

A ideia era que, uma vez terminadas a centena de entrevistas, a centena de transcrições, checagens e pré-edições, aí então eu apareceria de novo para, com olhos frescos e ingênuos, ler todo o material desde uma posição neutra: o lugar do leitor.

O plano deu certo.

Naquele dia 15 de maio de 2010, em São Paulo, tudo devia fazer sentido para quem presenciou a conversa entre os organizadores e José Celso Martinez Correia no set de filmagens (que eu, diga-se, nunca visitei). Além das perguntas e respostas, imagino que também as caras e bocas, gestos, as pequenas interrupções, pausas e respirações ajudaram a transformar esta em uma das mais célebres entrevistas deste projeto.

Zé Celso manipulava todos os elementos à sua volta para expandir o universo de significados do que falava. Ou pelo menos é assim que eu entendi logo depois de receber a transcrição da entrevista e debruçar-me sobre ela durante horas tentando entender a respeito de quê aquelas pessoas estavam falando.

Cada entrevista teve a sua particularidade. E a vantagem de eu não ter participado de nada nesse processo foi que pude perceber tudo isso no texto que me chegava da transcrição ou da checagem e edição do meu parceiro na empreitada, Aloísio Milani. Manter esse clima, mas zelar pelo entendimento do leitor, foi nossa preocupação ao longo da edição dessa centena de entrevistas espalhadas em quase 2 mil páginas de textos.

Fabio Maleronka me dizia, antes ainda do começo do projeto, que uma das preocupações era a de estabelecer um patamar, elevado, de onde os novos produtores culturais pudessem partir. Chega desse negócio de todas as gerações precisarem reinventar tudo nesse país, me disse uma tarde, num boteco nos Campos Elíseos paulistanos. Vamos aprender com os que já estão aí, na rua, na praça, onde quer que seja, produzindo.

Os 101 entrevistados, ao citarem exemplos de produções culturais, e de referências em livros, músicas, peças teatrais, filmes, espetáculos de dança, poemas, esculturas, cartazes e games, também oferecem uma pequena lista com as principais obras dos últimos 50 anos da história do Brasil. Sem ordem específica, assim mesmo, jogados aqui e acolá, um título em uma entrevista, uma referência em outra.

Esse material, que precisa ser compilado sem demora pelos organizadores do projeto em uma tabela ou linha do tempo, compõe um panorama das obras indispensáveis para quem quer trabalhar com cultura. Perdeu-se, é claro, o que ficou para além dos anos 60, com raras exceções, como as entrevistas com Fernando Faro e Inezita Barroso. Mas isso aí já é tema para outro projeto.

Nesse, foram entrevistados não só artistas e produtores, mas também os gestores, ministros e secretários culturais envolvidos com a questão. A política cultural que temos no Brasil hoje, para o bem ou para o mal, é fruto direto da ação de muitos desses entrevistados. Para entendermos um pouco mais do país em que vivemos, é imprescindível lermos o que dizem os próprios personagens dessa história.

E tocarmos daí em diante.

Sem precisar reinventar tudo de novo.

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