O quarto branco, capítulo 1

Um quarto totalmente branco, sem janelas, já foi utilizado para perturbar presos políticos – na Prisão de Evin, em Teerã (Irã), por exemplo, essa prática leva o nome de tortura branca. A cegueira de José Saramago, que inspirou a de Fernando Meirelles, tem a mesma cor. Branco são todas as cores juntas, o topo da parábola, o centro do círculo. É o intervalo, o equilíbrio. É o tempo suspenso. Foi num cubo branco de 81,5 metros quadrados no meio da Vila Mariana, em São Paulo, que nasceu o Produção Cultural no Brasil.

Bastidores do Produção Cultural no Brasil
Equipe afina áudio e luz para começar uma entrevista no estúdio branco

Durante seis semanas, a equipe do projeto passou uma média de dez horas diárias entre quatro paredes brancas de fundo infinito, com isolamento acústico, sem janelas. A metáfora da cor serve bem como alegoria para o que aconteceu nesse período: o maior compêndio sobre produção cultural já produzido no país. Os entrevistados pararam suas atividades para pensar. O centro do círculo. Os depoimentos trouxeram à tona o que fica por trás. O equilíbrio. Na calma daquelas paredes brancas, nos quase-sussurros dos entrevistadores e no silêncio dos cliques das câmeras havia de certa forma o tempo suspenso.

Quando cada entrevista terminava, o barulho abafado da porta corta-fogo trazia para o estúdio 4 da produtora Cine & Video não só nesgas de luz do sol como o rompimento de um certo transe. Cada gestor, artista ou realizador cultural foi sabatinado duas vezes. Na primeira conversa, de uma hora, dois entrevistadores (normalmente o produtor Fábio Maleronka Ferron e o editor Sérgio Cohn) procuravam um tom mais íntima, de mais detalhes, relações e aprofundamento. A segunda conversa, de 15 minutos, liderada pela jornalista Georgia Nicolau, buscava ser objetiva, fatos, opiniões, respostas mais diretas, para originar os vídeos deste site.

O Produção Cultural ocupou o estúdio e mais duas salas por três meses – o camarim (com espelho, sessão de maquiagem e alguns petiscos e frutas para beliscar) e a sala de produção, com tantos computadores, folhas, canetas, celulares e mochilas quanto pãezinhos, sucos, café. Ah, muito café! As paredes viraram agenda. Planilhas coladas com horário de chegada e partida dos voos de cada entrevistado, o telefone da Delta Táxi (todas as produtoras sabem de cor até hoje), a hora em que o sr. Antônio deveria encostar a van nos hotéis, a sequência de entrevistas previstas. Houve dias de “Big Five”, o apelido dado pela produça aos dias em que havia cinco entrevistas – e que todos deveriam ficar no quarto branco das 8h às 20h.

Irônico é que, a não ser pelo fundo deste site, o branco quase não aparece nos vídeos do Produção Cultural no Brasil. Três refletores instalados pelo pessoal da Garapa (os responsáveis pela produção audiovisual) transformaram tudo em cinza. Tudo pensado, claro. Uma semana antes do início das filmagens o estúdio foi pintado, a luz afinada, o trilho para a câmera foi construído, algumas poltronas para os entrevistados foram alugadas. Isso tudo é produção, é o colchão para as declarações dos entrevistados, o suporte, as vigas. O próprio conceito estético dos vídeos e fotos segue a lógica do projeto. As imagens revelam os refletores, não procuram iludir o espectador, os bastidores estão ali o tempo todo, também na frente das câmeras.

Com o tempo, como os esquimós, a equipe conseguiu ver os vários “tons de branco” das paredes do estúdio. As discussões após cada entrevista, que reverberam até hoje nos corredores da Casa da Cultura Digital e agora ganham a web, fazem o mesmo caminho de tornar mais complexo o que parece simples. A produção cultural brasileira é um gigantesco quarto branco, tão múltiplo quanto uniforme, aguardando ser percebido em detalhes. Todas as cores.

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