O Festival de Teatro de Curitiba foi pioneiro no Brasil e tornou-se vitrine da produção cultural. Em 1992, um grupo criou e dirigiu o primeiro festival. Não eram atores de teatro, tampouco diretores. “Como o festival nasceu na era pós-Collor, existia um ceticismo enorme, a economia não ia bem, ninguém investia. A gente estava indo na contramão”, lembra Leandro Knopfholz, administrador e diretor do festival.
Em quase duas décadas de história, mais de 1,5 milhão de pessoas já assistiram a cerca de três mil espetáculos nas diversas edições do festival. “Ele impactou a produção e o consumo de teatro na cidade.” O símbolo físico do evento é o Teatro Ópera de Arame, construído pela prefeitura e inspirado no Ópera de Paris, feito em metal e vidro. O patrocínio do Banco Bamerindus deu impulso ao encontro.
Com mestrado em indústrias criativas pela City University, em Londres, Knopfholz avalia que há avanços na política cultural e cita as linhas de crédito do BNDES para o setor. Contudo, critica o atual modelo das políticas de fomento. “As leis estão investindo na ponta errada. Acho que falta entender a cultura como uma atividade econômica produtiva como qualquer outra”, afirma.
Como nasceu o festival de Curitiba? Vocês eram atores, gente do teatro?
Começou com uma percepção de que Curitiba tinha uma boa estrutura física de salas e pouca oferta de espetáculos. Com este diagnóstico, alguns amigos se tornaram sócios e começaram a agilizar para conseguir sensibilizar patrocinadores privados. Assim a gente fez o primeiro evento. Mas ninguém era ator. Minha formação é em administração, o outro sócio era engenheiro, o outro, sociólogo. Mas havia um fato importante de registrar. O momento era diferente. Não existia internet, a informação não corria como corre hoje. A gente não tinha nenhuma ligação específica com o teatro. A gente se conhecia da comunidade judaica e, em nossas conversas, percebemos que havia muitas salas vazias na cidade. E veio a ideia: “Já que têm tantas salas vazias vamos preenchê-las. Devia ter um festival de teatro aqui. Vamos fazer, vamos fazer!”. E um ano depois a gente conseguiu viabilizar.
Depois do início do festival, a oferta de peças teatrais na cidade aumentou? Criou-se um público em Curitiba?
Chegaremos à 20a edição do festival. Tem uma geração de jovens, pós-adolescentes, para a qual o festival sempre existiu. O teatro se tornou um marco importante na comunidade curitibana e o festival impactou tanto a produção como o consumo de teatro na cidade.
O que é o festival? Quais são as várias partes do festival?
O festival começou como uma reunião de espetáculos. A ideia era trazer para Curitiba o que não chegava. Então, trouxemos 12 espetáculos para as salas de cinco teatros e dois para a rua. Isso era o festival. O evento foi crescendo e uma série de necessidades foi mudando a cara dele. Como ele nasceu na era pós-Collor, existia um ceticismo enorme, a economia não ia bem, ninguém investia. O Collor tinha desmontado o mecanismo estatal cultural e a gente estava indo na contramão. A gente conseguiu um patrocínio privado em um banco, nenhum patrocínio público, mas a prefeitura se comprometeu a construir um teatro, que é o Ópera de Arame. Neste primeiro ano, a gente conseguiu reunir muitos encenadores e diretores. A gente tinha uma curadoria e entendeu que o encenador era a figura central do teatro naquele momento. Eram só nomes nacionais. E como eu já disse, não tinha essa profusão de informação. A dificuldade logística era gigantesca. O fato de termos reunido tantas pessoas importantes do meio, em um contexto absolutamente desfavorável, fez com que o festival chamasse a atenção e extrapolasse a cidade. A gente conseguiu chamar a atenção do país. E daí começamos a ter mais demandas. Só reunir essas pessoas já não era mais suficiente. O festival começou a potencializar e catalisar estréias nacionais, passou a interessar a mídia nacional, os programadores nacionais e internacionais passaram a vir para Curitiba para ver o que acontecia no teatro brasileiro e levar para fora, para suas cidades. Uma coisa levou a outra, o fato de a gente ter programadores, diretores de festivais e mídia fez com que outros espetáculos não programados começassem a se apresentar em Curitiba na mesma época. Eram espetáculos curitibanos. A cena local começou a se organizar para isso. Em 1998, a gente organizou uma situação que era simultânea ao festival de teatro e chamamos de Fringe, no modelo do Festival Internacional de Edimburgo, na Escócia. Fringe quer dizer “franja” ou “margem”, em inglês. A ideia era colocar um guarda-chuva, ou seja, uma marca, e dar visibilidade para espetáculos que não eram selecionados pela curadoria. Nesta época, o festival tinha 15 ou 16 espetáculos e o primeiro Fringe teve sete.
No Fringe, não havia envolvimento da curadoria do festival?
Os espetáculos já vinham sem curadoria. Em um determinado momento, todos os espetáculos que podiam vir, vinham. Então, tivemos de organizar, decidimos que o espetáculo não podia fazer proselitistismo religioso, senão daria uma cara que a gente não acha certa. E o espetáculo tinha de ser profissional. Esses eram – e ainda são – os únicos dois parâmetros para o espetáculo participar da mostra Fringe. Cresceu de sete, em 1998, para 370 espetáculos. Grande parte dos espetáculos são de Curitiba e 40% são paranaenses.
O Fringe permitiu que as companhias e os encenadores de Curitiba ficassem na cidade ou há um êxodo para os grandes centros de cultura?
Entendo o Fringe como um propulsor, uma forma de exibição muito grande. Por exemplo, o espetáculo A Vida é Cheia de Som e Fúria [adaptação do texto de Nick Hornby], do Felipe Hirsch, foi encenado no Fringe, em 1999. Dois espetáculos da Companhia XIX, Hygiene e Hysteria, do Luiz Fernando Marques, também foram apresentados no Fringe. A Companhia Espanca, de Belo Horizonte, foi vista pela primeira vez lá. E uma série de outros: A Volta ao Dia em 80 Mundos [adaptação do texto de Julio Cortázar], com o Márcio Abreu; Alice Através do Espelho [adaptação sobre livros de Lewis Carroll], de Paulo de Moraes; entre outros. O Fringe é sempre uma possibilidade. Aliás, se a gente olhar historicamente as feiras mundiais, os festivais, as bienais, as mostras, vamos ver que eram lugares das reuniões, onde as pessoas se juntavam para entender o que estava acontecendo. Mas isso mudou. Nos últimos 10 anos, com a informação a correr tão rápido, ficou um pouco esvaziado o sentido de reunir tanta gente no mesmo local. Por isso, reunir todas aquelas pessoas em 1992 foi um marco. Hoje, isso não é mais o problema. A questão é como impressionar as pessoas nesse cenário. O cara estréia uma peça e já está no YouTube! Você fala de qualquer espetáculo e as pessoas comentam: “Ah, já vi!”. As coisas são mais rápidas e fáceis hoje. O desafio é pensar qual o sentido de fazer isso. E, na verdade, entendo que o sentido é exatamente a reunião. No comércio, por exemplo, estar um do lado do outro – como em uma rua especializada em noivas, carros, restaurantes – faz com que todos vendam mais. É a mesma coisa no festival. Quando você coloca pressão, quando você coloca esse assunto na berlinda e traz isso à tona, todo mundo fala e tudo cresce. As pessoas estão ávidas pela novidade. Neste sentido, os espetáculos que estão se arriscando e indo para o Fringe têm essa possibilidade de apresentar uma novidade. Reunir essas pessoas no mesmo local faz com que as pessoas fiquem mais atentas.
E quem vai ao festival? A maioria é da cidade mesmo?
A prefeitura realizou uma pesquisa onde se vê que 15% do público é de fora de Curitiba. A gente tem um público estimado de 180, 190 mil pessoas, o que quer dizer que pelo menos 20 mil pessoas são de fora. É bastante. Mas é bem diferente do Festival de Edimburgo, na Escócia, do Festival de Avignon, na França, e de grandes eventos do gênero no mundo. Fazemos o festival no dia 29 de março, que é o aniversário da cidade. Escolhemos essa data porque quando estávamos começando, a cidade ia completar 299 anos, e existia todo um trabalho de “faça alguma coisa para os 300 anos da cidade”. Achamos conveniente agendar para a data de aniversário. Porém, é uma data ingrata, porque não é um período de férias, não é nenhum marco específico como Carnaval, São João. A possibilidade de deslocamento é mais restrita, vendo de um ângulo mais comercial.
E mesmo assim vocês decidiram manter a data. Virou um marco?
São quase 20 anos. As companhias se preparam para essa época do ano. Terminou o festival deste ano e, como o próximo é a 20a edição, eu já tenho mais de 30 propostas de espetáculos para março de 2011. Não tenho muito como mudar isso agora. Talvez em 2014 a gente comece a mudar alguma coisa.
Em 1992, o jornal O Estado do Paraná publicou: “Em um momento em que vivemos um grande boom do teatro, não temos nenhum crítico trabalhando regularmente dentro de um jornal.” Como você vê a crítica dentro do processo do festival?
Tudo mudou. O papel da crítica de teatro continua sendo muito importante, mas em um sentido mais amplo, não dedicado a um cidadão só ou a um grupo que ocupa o espaço de determinado veículo. A idéia é que a gente permita a crítica no site do festival, por exemplo. O que a gente quer é que o próprio público indique o que vale a pena. E eu acho que essa crítica que vem da opinião de vários é mais rica. É importante que a gente entenda que as pessoas precisam do endosso de alguém. Isso sempre existiu. É o crítico que indica, é o boca-a-boca. Mas, hoje em dia, com a coisa de todo mundo ter opinião, é mais fácil. As pessoas perderam o medo de se expressar e hoje é mais fácil apresentar essa opinião para um monte de gente. O festival busca isso na sua interação digital com as pessoas. A gente quer que as pessoas participem, opinem e tentem se respaldar dentro dessa profusão de espetáculos – são mais de 400.
Ao mesmo tempo, o papel do crítico é mais profundo. Ele vai comparar a produção com informações que ele já possui. Isso não é importante?
Claro. Sem dúvida. Mas eu não acho que uma coisa mata a outra. Eu acho que elas se somam. O papel do crítico é rico e ainda super importante porque é um profissional dedicado a essa atividade. Mas o crítico era muito poderoso. Quando comecei, era fundamental que um crítico aprovasse, endossasse uma obra. Ele tinha o poder de acabar com o espetáculo. Isso ainda existe, mas hoje ele tem muito mais responsabilidade, pois as pessoas têm mais informação e se comunicam rapidamente.
No festival, o encontro de backstage é muito forte. Não houve o interesse destes encontros acontecerem em público? Criar debates públicos?
Isso existe desde o começo do festival. O encontro é fundamental. Houve um momento que, por questões logísticas, nós usávamos vários hotéis e restaurantes, devido ao crescimento do festival. Mas aí percebemos que o evento não estava tendo função de festival para as companhias, porque elas acabavam não se encontrando. Então, concentramos as pessoas nos mesmos hotéis, as pessoas se encontravam no elevador, no saguão, nas vans. Criamos um restaurante único para o festival. As pessoas começaram a se encontrar de novo. O festival também tem uma sede, que é um espaço público chamado Memorial de Curitiba. O local tem um bar e a ideia é que as pessoas frequentem esse bar, que seja aberto para quem quiser se aproximar delas, para ter essa interação também com as pessoas da cidade. Além disso, fazemos encontros formais, debatendo determinados temas e fazendo oficinas e atividades de aperfeiçoamento com profissionais. As responsabilidades do evento vêm de acordo com a sua evolução.
Os ingressos em 2010 custaram R$ 45, a inteira, e R$ 22, a meia-entrada. Não é caro?
Não acho. Acho que é dentro da realidade do que a arte custa e vale. Primeiro: isso é um business, uma cadeia produtiva que precisa dos insumos, de recursos humanos, estruturais e financeiros. E a bilheteria compõe esta estrutura. Segundo: em uma relação entre cinema e teatro, o teatro é feito ao vivo e todos os dias. Tem de custar cinco vezes mais que um ingresso de cinema – isso em uma relação econômica estudada, científica. Terceiro: esses são os valores médios praticados por teatros em Curitiba e em São Paulo. Quarto, o valor praticado é o meio ingresso. No caso do festival, a gente se submete a tudo que a legislação preconiza e todo cliente com algum relacionamento com o patrocinador paga meia. Fato é que a gente tem uma média de 92% de pagantes com meia entrada – R$ 22. E acho que está absolutamente dentro do valor viável.
A meia entrada cresceu demais? Ela tem atrapalhado o negócio da produção cultural?
Totalmente. Estamos inseridos em uma atividade chamada economia criativa ou economia da cultura. Mas é economia. O agricultor, por exemplo, tem uma série de subsídios estatais, nem por isso ele recebe a metade pela tonelada de arroz. Tudo bem que é subsidiado para o consumidor final pelo governo. Na cultura, deveria ser a mesma coisa. Se está na Constituição que o acesso à cultura é um direito do cidadão, o sujeito que está trabalhando com cultura não tem nada com isso. É um direito, então o governo tem que criar situações. E não tirar recursos. Um show de música, por exemplo, dificilmente tem um apoio estatal – seja estadual, federal ou municipal. Nesse caso, não acho certo a obrigatoriedade da cobrança da meia-entrada. Mas se o projeto tem apoio estatal, como uma Lei Rouanet ou outra lei de suporte à cultura, talvez isso possa servir como uma contrapartida e seja justo. Mas acho que deve até ser inconstitucional, no que se refere à ingerência do Estado sobre a atividade privada, que haja uma lei obrigando que o estudante, o idoso, o doador de sangue, o professor da rede pública pague meia-entrada. No caso de teatro, nós temos uma série de apoios estaduais e podemos até discutir. Mas, para as atividades que não têm subsídio, não acho certo.
O orçamento do festival do ano passado, por exemplo, foi de R$ 3,2 milhões. Esse montante não foi captado via Lei Rouanet? Como é a destinação dessa verba?
Não. Ele foi composto por patrocínios, bilheteria e outras receitas, como merchandising. Mas a bilheteria do Fringe é destinada toda para o evento, por exemplo. Os espetáculos ocupam setenta e tantas salas em Curitiba. A prefeitura diz ter quase 200 salas, mas, na verdade, não são salas mesmo, são espaços. Então, você não tem um box truss para colocar luz em cima, você não tem coxia, você não tem um elevado para palco, não tem plateia, você não tem nada, só um espaço. E aí o festival monta a estrutura para as companhias, coloca gente trabalhando. Um operador de som, um operador de luz, gente para a bilheteria. O festival presta serviço para estes espetáculos, mas não dá apoio para o espetáculo chegar em Curitiba e nem acho que é função do festival fazer isso. O festival funciona como uma vitrine.
Qual é a sua opinião sobre lei de fomento ao teatro?
Fiz mestrado em indústrias criativas, na City University, em Londres. E a minha dissertação foi sobre o vale-cultura. A gente pode comparar com o vale-refeição, por exemplo. Hoje, se dá dinheiro para a produção, o que já foi um gargalo, mas hoje é bem menor. Então, comparando, é a mesma coisa que você dar o dinheiro do vale-refeição para o restaurante. O dono pode fazer qualquer tipo de comida, porque, afinal, ela já está paga. Mas, se o dinheiro está com o trabalhador, ele tem que se esmerar porque o cara vai pagar com o vale. As leis de cultura estão investindo na ponta errada atualmente. Óbvio que não podem sair totalmente, existem pesquisas, inovação, muita coisa para subsidiar, mas falta entender a cultura como uma atividade econômica produtiva como qualquer outra. O atual Ministério da Cultura está fazendo um trabalho consistente. O BNDES abriu uma linha de crédito. Fantástico isso, pois quem quer empreender tem agora uma alternativa. Também é preciso restaurar espaços de apresentações. Fundamental. Este precisa ser um trabalho exclusivo da esfera federal. Gosto do exemplo da cidade de Paulínia, no interior paulista. É meio como Dubai, que viu que o petróleo vai secar, então começou a investir no turismo cultural. As pessoas podem ir a uma cidade, porque acham linda, mas elas não vão voltar. As pessoas cansaram de ir para Paris para ver a Torre Eiffel, elas querem ir para viver Paris. Então, Dubai está comprando todos os ativos criativos que acha interessante: Louvre, Stomp, Cirque du Soleil, tudo. Paulínia está fazendo a mesma coisa quando investe no cinema. Tudo bem que tem a refinaria e isso deve dar muito dinheiro para a cidade, mas é bem inteligente o caminho que eles estão seguindo.
O vale-cultura corre o risco de se prender às grandes produções, que já possuem seu ponto de exibição e distribuição? É possível reverter isso? Por quais caminhos?
O mercado se encarrega. Porque se existe dinheiro naquele lugar, as pessoas vão para aquele lugar. O vale-cultura será distribuído para o trabalhador. O trabalhador está em todos os lugares do Brasil. Nos grandes centros e nos mais afastados. Esse cara terá uma grana para gastar, então, imagino que as pessoas vão até lá atrás da grana do trabalhador. Injetar este recurso no mercado fará com que ele se organize.
Sobre outro aspecto do fomento, qual deve ser a relação da companhia de teatro e o seu espaço físico?
Importantíssima. Mas ainda é uma situação cultural distante no Brasil. Na Europa, as salas de teatro têm um dono, um programador, têm uma importância social que não é dada aqui. No Brasil, só o Serviço Social do Comércio (Sesc) tem esse entendimento com relação a espaços. O que mais acontece com as salas – públicas ou privadas – é que elas são caixas prontas para serem alugadas. Não tem uma linha de curadoria definida, não tem uma cara, não tem um público comprando a temporada. Há lugares em que isso é diferente. Na Argentina, por exemplo, aqui do lado, tem temporada tal de música erudita, temporada tal de dança clássica, temporada tal de dança contemporânea e assim por diante. Isso não é uma cultura difundida no Brasil. Uma coisa é o espetáculo fazer três semanas de temporada, outra coisa é fazer dois anos, porque aí tem um questionamento: “Em março do ano passado, eu tive mais público. O que aconteceu aqui?”. Há, portanto, um dono. As coisas são um pouco soltas aqui, sem questionamento, sem um porquê, sem nada.
Haverá mais qualificação de produtores e empresários na cultura?
Acho inevitável. Cada vez mais existe dinheiro neste mercado, ele se profissionaliza. Principalmente com as novas leis de incentivo. Onde há mais profissionais hoje é onde tem dinheiro: captação e produção. Como não tem dinheiro na ponta do processo, as pessoas não estão se especializando na venda de ingresso, no serviço ao cliente, na experiência como um todo. Ir ao teatro, na maioria das vezes, é um grande estresse. É difícil de estacionar, a bomboniere é super caída. O espetáculo pode ser feito direitinho, mas a experiência como um todo é difícil. É bom observar que aquele cara que está assistindo ao espetáculo não é visto como um recurso. Recurso é o patrocinador, é o edital. É como no futebol, o dinheiro está na TV. Vai assistir a um jogo para você ver o estresse que é no estádio. O dinheiro não está na bilheteria, está na camisa, no jogador. O cidadão que está na arquibancada pouco importa para o time, não é?
Fale sobre a construção do Ópera de Arame…
É um teatro inspirado na Ópera de Paris, feito em metal e vidro. A história dele está ligada ao festival, pois quando começamos a fazer o festival, a gente achava que tinha estrutura, mas não tinha oferta. Conseguimos o patrocínio do Banco Bamerindus, mas o então governador Roberto Requião tinha uma briga com o controlador do banco e, quando fomos reservar o Teatro Guaíra, que pertence ao estado, recebemos um recado de que qualquer evento patrocinado pelo banco não teria espaço no Guaíra. A gente tinha que escolher: ou o Bamerindus ou o Guaíra. Como era mais difícil ter o recurso financeiro, a gente procurou a prefeitura, que era gerida pelo Jaime Lerner. Falamos que tínhamos o festival, os espetáculos, o dinheiro, mas não tínhamos teatro. Então, ele disse que tinha um projeto para construir um teatro no Parque das Pedreiras. Isso só seria feito pelo sucessor dele, mas como tinha esse festival, ele ia acelerar as obras. O parque era uma espécie de pântano, porque chovia e não tinha escoamento, não tinha nada. Os diretores iam lá e a gente dizia que naquele espaço seria construído um teatro. E eles: “Tem certeza?”. E a gente: “Sim”. E saiu. O palco da Ópera de Arame é adaptado, tem quatro elevadores porque era uma necessidade que o Cacá Rosset tinha para montar Sonho de uma Noite de Verão, de Shakespeare. A passarela que dá acesso ao teatro foi soldada na tarde da estreia do espetáculo (risos). A gente estava ensaiando, montando o cenário e o espetáculo e eles terminando de montar o teatro. Inacreditável.
Conte mais. Isso deu certo em cima da hora…
Foi sensacional. O teatro era todo aberto. Foi construído para ser um anfiteatro e só o fundo era fechado. E a pedra dava uma acústica perfeita. Muitas pessoas reclamam da acústica da pedreira, mas a pedra era um fator fundamental no som, que foi perdido quando foram fechadas as laterais por causa do frio. A gente tinha previsto três sessões, acabou fazendo cinco. Todas abarrotadas. E a pedreira tem uma vegetação ao fundo, passava borboleta no palco, as pessoas estavam dentro da floresta. Inacreditável.
O festival sempre traz uma atração internacional. Como é a escolha?
Desde o primeiro ano trazemos um espetáculo internacional. O festival reúne a atual produção teatral brasileira em Curitiba, então a ideia de trazer um espetáculo de fora é fazer um contraponto. São 29 espetáculos nacionais e um espetáculo internacional – este ano, a gente trouxe um espetáculo canadense chamado O Lamento de Dulcinea [dirigido pela atriz Dulcinea Langfelder e inspirado em Dom Quixote]. Ao comparar o que vejo lá fora com o que temos aqui, percebo – apesar de não ser um cara apto a dizer o que é exatamente a produção nacional – é que muita tecnologia está sendo utilizada nos palcos. As pessoas querem projeção, som, último lançamento, os melhores refletores etc. Cada vez mais a tecnologia está sendo usada. Isso está sendo feito há bastante tempo, principalmente em Montreal, mas é uma coisa recente aqui. A tecnologia está sendo usada no Brasil como fim e não como meio. É um pouco exibicionista ainda, o cara pede uma mesa de som com 300 canais, mas só usa 60. É importante esse contraponto para as pessoas entenderem e a gente buscar uma referência no espetáculo internacional.
Quais peças internacionais ficaram marcadas no festival?
Trouxemos pela primeira vez ao Brasil o Robert Lepage, um canadense que é um grande ícone do teatro mundial. O espetáculo era Tango Varsoviano, de um transgressor argentino chamado Alberto Félix Alberto. Trouxemos também o espetáculo Coda, dirigido pelo François Tanguy, um cara super contestador, que faz um teatro diferente na França. Trouxemos uma vez um espetáculo chileno, Sin Sangre, de Alessandro Baricco, que tinha uma inovação de linguagem, misturando teatro e cinema. Procuramos estar atentos a esse movimento mais radical, porque já que trazemos só um, temos de evidenciar o argumento. Não adianta trazer, na média, o que está sendo feito fora. A ideia não é fazer um festival internacional e, sim, trazer um espetáculo internacional que tenha uma radicalidade. Não necessariamente o melhor espetáculo, mas alguém que evidencie uma proposta. Já, no festival nacional, trazemos um pouco de cada coisa: teatro de repertório, teatro de companhia, teatro de pesquisa, clássicos, um mosaico do Brasil naquele momento.
Se você fosse um produtor de teatro e fosse fazer algo para o Fringe, qual seria sua estratégia?
Já pensei bastante nisso. Acho que é informar. Porque as pessoas estão muito suscetíveis a apreciar o espetáculo, a comparecer, a falar, mas falta chegar informação. Os críticos estão ávidos por uma novidade, mas as coisas acabam passando despercebidas porque não têm comunicação. Faria uma estratégia de informação e comunicação dirigida a este público que está interessado.
Entrevista realizada por Fabio Maleronka Ferron e Sergio Cohn
no dia 30 de abril de 2010, em São Paulo.
Para assistir essa entrevista em vídeo:
https://producaocultural.procomum.org/2010/08/12/leandro-knopfholz/