por Rodrigo Savazoni
I
Casa Fora do Eixo São Paulo. Sexta-feira, 20 de abril de 2012. Por volta de meio dia e meia. Sou recebido por Cláudio Prado e vários parceiros do Centro Multimídia do FdE, que registram cada movimento dos tripulantes que irão cair na estrada no Ônibus Infinito, uma aliança entre o Circuito Fora do Eixo, a Casa da Cultura Digital e o Ônibus Hacker. Nosso destino é Belo Horizonte. Vamos participar do lançamento da Casa Fora do Eixo Minas, em BH, que se soma à de São Paulo como bunker de articulação do movimento social da cultura. A previsão é que subam para o rolê várias “personalidades” que atuam na produção, defesa e difusão da cultura livre.
II
Na madrugada do dia anterior o Ônibus Hacker, um ônibus antigo que foi comprado e adaptado com recursos obtidos por meio de uma campanha de doações feita no site de financiamento coletivo Catarse, quebrou em seu retorno de Brasília. Estava em Araguari, triângulo mineiro. Seria consertado e iria direto para BH. Nos encontraria lá. Para substituí-lo, o Fora do Eixo fretou um novo ônibus. Naquele dia, o Ônibus Hacker se duplicou, afinal, ele é um conceito e existe como plataforma nômade para juntar ativistas e articuladores da cultura livre em viagens de autoformação e compartilhamento de conhecimento.
III
Já são três da tarde. Os tripulantes se juntam em frente ao novo Ônibus Hacker, para fazer a “foto oficial”. Reina a alegria. Para participar dessa viagem, vesti uma camiseta rosa do Che Guevara que comprei em Havana. Eu quero ter uma coleção de camisas rosas do Che Guevara. Sem perder a ternura. Fazendo da guerrilha cotidiana por uma vida menos ordinária um grande ato de amor. Sem abdicar de começarmos a transformação por nossas condutas, gestos e atos. Raquear é agir, de forma diferente, para fazer do mundo, com as próprias mãos, um lugar melhor. É isso que buscamos nessa aliança do Fora do Eixo com a Casa da Cultura Digital.
IV
Por volta das cinco, depois de feitas as apresentações, evocamos Alex Antunes, que é responsável por uma das traduções de Neuromancer, o romance de William Gibson que cunha o termo Ciberespaço, para nos contar sobre seu trabalho. É a primeira conferência da nossa universidade sobre rodas. Alex, jornalista, crítico musical, romancista, figuraça do bem, conta como foi versionar para o português as aventuras do anti-herói Case, um hacker. Pouca gente que estava no Ônibus conhecia Case. A palestra, que foi buscar as origens da ficção científica e sua relação com a literatura policial, foi feita utilizando o sistema de som do ônibus fretado.
V
Ciberespaço. Uma alucinação consensual. Lembrei-me, mas não falei nada na hora – digo agora – do Cyberpunk de Chinelos do Felipe Fonseca. “O tipo de pensamento que deu substância ao movimento do software livre possibilitou que os propósitos dos fabricantes de diferentes dispositivos fossem desviados”, escreve EfeEfe. Um ônibus hacker é um dispositivo desviado. O mundo é cyberpunk. E um pouco cyberhippie também. O mundo é do jeito que é. Está cada vez está mais divertido, com tanta gente aderindo a formas desviantes de viver. Ok, vão dizer: isso ainda é para poucos, a desigualdade é enorme! É verdade, mas não dá mais para esperar pelo futuro.
Tem de ser agora. É a vida, afinal, que está em jogo.
VI
Quase meia noite. A trupe chega a Belo Horizonte. Uma festa nos espera. A Casa Fora do Eixo Minas, em seus primeiros dias de vida, já demonstra-se mágica, como a de São Paulo é, como muitos dos festivais independentes do Brasil são. Sobre o telhado, em uma caixa d’água inclinada mais ou menos 30 graus, Vitor Guerra montou uma traquitana: um pedestal de microfone sustenta nas pontas uma caixa que abriga um projetor, o qual exibe, em uma empena cega do prédio vizinho, a logomarca do Fora do Eixo, com imagens sobrepostas, que fragmentam a logo, decompondo-a. Seriam nuvens?
Gambiarra da melhor espécie. A traquitana do Vítor, integrante do Centro Multimídia do Fora do Eixo que a cada dia produz mais e melhores conteúdos, é a metáfora que eu buscava. Somos o país do mutirão, que se adapta, que se modifica, com velocidade estonteante, para dar conta desse mundo fluido em que estamos inseridos. Um ônibus quebra? Vira dois. O sistema de som do ônibus? É um auditório. Uma casa? É um laboratório. Um pedestal? É uma traquitana que exibe imagens na parede que fazem a noite ficar ainda mais bonita.
VII
Durante todo o fim de semana, a Pós-TV transmitiu debates sobre as questões contemporâneas da sociedade, da cultura e da política. Sobreposição de vozes em streaming contínuo. No multiplex do precariado, ao lado da piscina, localizado no quintal dos fundos da casa, videoartistas exibiram seus trabalhos para um público seleto e qualificado. Na soleira do casarão, o Ônibus Hacker se estacionou, Belasco e Lívia Ascava abriram o gazebo e fomentaram imaginações brincantes de circuitos eletro-eletrônicos.
Encontros ocorreram. Amores apareceram. Tudo gravado, filmado, e compartilhado nas malhas da rede. Para aquela casa, bonita, do bairro de São Lucas, em BH, confluiu o fluxo histórico de lutas, desejos e sonhos brasileiros e internacionalistas, que movem o crescente movimento social da cultura, que já ganhou as estradas, infinitamente.