Xuxa gosta de fruta-do-conde, Pedro Bial não fica sem uma salada verde e com Chico Anysio não tem tempo feio: o que tiver na mesa está ótimo. Conhecer essas idiossincrasias gastronômicas faz parte da rotina de Erotildes Alves dos Santos, conhecido como Sergipe, o risonho e autointitulado “sergipano-carioca” que inovou o cinema brasileiro ao oferecer serviço de alimentação num set de filmagem, a partir do filme Bar Esperança, de Hugo Carvana, em 1983.
Sua iniciação na sétima arte, no entanto, se deu três anos antes, como motorista da equipe de Glauber Rocha em A Idade da Terra. Foi ali que Sergipe visualizou a dificuldade da produção quanto à alimentação. “Eu via o pessoal precisando almoçar e o Glauber, apaixonado por uma câmera, querendo filmar sempre mais.” A primeira refeição que fez foi uma carne que, ele lembra, saiu “branquinha”. Nunca havia cozinhado antes.
Hoje, a empresa especializada de Sergipe é capaz de alimentar uma equipe do tamanho que for, de 30 ou mil pessoas. O serviço, no cinema, é conhecido pela palavra catering. Tem o projeto de montar um ônibus-cozinha para facilitar o trabalho pelos cafundós do país. Sergipe atribui o salto de qualidade do cinema nacional contemporâneo à maciça presença feminina nas produções. “As mulheres como diretoras-executivas são mais organizadas e unidas. O homem tem aquela coisa de medir força, e força não se divide.”
Sergipe, qual o seu prato preferido?
É filé de frango. Mas a primeira comida que eu fiz foi para Bar Esperança,do Hugo Carvana, em 1982. O primeiro filme em que trabalhei foi A Idade da Terra, de Glauber Rocha, em 1976, na Bahia. No filme, o Cacá Diniz me contratou para dirigir uma kombi. Mas o que eu gosto de fazer é falar, ficar no meio de gente. Comecei a dirigir e, se tinha que chegar no hotel às 7h, eu chegava às 4h, ajudava a fazer o café. Como eu era guia na Bahia, carregava o Jece Valadão, a Norma Benguel. O pessoal gostou do meu trabalho e eu me senti em casa. Fiz o filme todo. E por que eu mudei de motorista para a cozinha? Porque eu via a dificuldade da produção. A média de uma equipe nos anos 70 era de 60 pessoas. Eu via o Cacá Diniz querendo levar o pessoal para almoçar e o Glauber Rocha, apaixonado por uma câmera, queria filmar sempre mais.
Aí eu pensei: “no próximo filme eu vou cozinhar. Vou facilitar a vida da produção, vou ganhar um dinheiro, o que não faz mal para ninguém”. Terminamos de fazer o filme em 1976 e o Jece Valadão me convidou para ir para o Rio trabalhar de motorista.
Conta como era o Glauber dirigindo cinema?
Era um apaixonado. Nesse filme teve uma cena que era para ser feita em um museu e o diretor do lugar tinha proibido. Glauber falou: “Ninguém vai me proibir, porque eu estou fazendo cinema, que é cultura”. Ele não terminava uma cena e ia embora. Parava onde estava a equipe e falava com todos antes de ir. Ele não era aquele diretor que fazia, entrava no carro, ia para casa e não queria ver ninguém. Era uma pessoa muito tranquila. Tanto é que eu fiz o filme em 1976 e, em 1978, quando ele me encontrou em Ipanema, parou e ficou boquiaberto: “Pô, Sergipe, você aqui no Rio!”. Ele era um diretor que gostava de manter contato com a equipe. Mas, voltando, eu vim para o Rio para trabalhar com Jece Valadão. Quando cheguei, porém, ele já tinha motorista. Eu fui trabalhar no estúdio, fazendo faxina. E à noite eu ia trabalhar na casa da Vera Gimenez. Eu não sabia ler e a Vera Gimenez disse que ia pagar para eu estudar e eu trabalharia para ela aos sábados, domingos e feriados. E fui. Em 1982, Hugo Carvana foi fazer Bar Esperança e o produtor executivo era o Cacá Diniz. Ele me disse: “Agora, Sergipe, pega a sua ideia de cozinhar no set e bota em prática”. Eu não tinha dinheiro, eu só tinha 25 cruzeiros para pagar meu aluguel. Ele disse para usar o dinheiro do aluguel, ir na produtora, pegar um dinheiro e pagar o meu aluguel. “Se
o pessoal gostar, você continua. Se não gostar você ganhou um dinheiro”. Eu fiz uma carne assada que ficou assim da minha cor, branquinha. Mas ficou gostosa, ficou bem temperada. E fiz pelo que deu na minha cabeça, eu nunca tinha feito comida. Fiz como veio na minha cabeça na hora: “É a que mamãe fazia”. Deu certo. Hoje, no Rio, devem ter umas 20 pessoas que fazem o mesmo serviço. Hoje, eu faço mais eventos. Faço cinema quando me chamam porque sou apaixonado. No ano passado, participei de um projeto, o longa-metragem Dores e Amores, do diretor e produtor Ricardo Pinto e Silva.
Como era a história de quando você cozinhou para 60 pessoas e tinha só 20 pratos?
65 pessoas e 20 pratos, imagina? Imagina você ter que dar comida para 65 pessoas em 20 pratos! Perdi a noção do que eu ia fazer. O pessoal do estúdio viu o meu sufoco e começou a lavar pratos. O encarregado do estúdio morava no terceiro andar, foi na casa dele buscar pratos. Hoje eu sirvo para mil pessoas. No carnaval chego a servir 1.500. No Bar Esperança perdi a noção, se fosse para servir sozinho eu não conseguiria. O arroz ficou empapado (risos). Gostoso, mas empapado. A carne e o frango brancos, estou sendo sincero. Até hoje minha carne assada faz história. Eu também faço um feijãozinho gostoso. A gente sabe que todo mundo precisa de dinheiro
para sobreviver. Só que eu não faço só pelo dinheiro. Quando eu faço comida é como se eu estivesse fazendo para os meus filhos. Hoje, faço mais eventos e é tudo garotada, a maioria garotas. O cinema brasileiro melhorou muito depois que as mulheres tomaram conta. Se tirarem as mulheres da organização, o cinema cai de novo. O cinema hoje é organizado. Eu estranhei, porque cinco anos atrás, quando eu voltei e fiz um longa, eu vi: a produção com laptop, sem grito. O cinema era feito no grito, Glauber Rocha dirigia no megafone. Depois veio walktalk, bip, internet, celular.
E você consegue imaginar o Glauber Rocha sem gritar?
Impossível. Ele fazia tudo no grito. A Idade da Terra ele fez no grito. É incrível porque até para o diretor do museu ele falou: “Você vai deixar, sim. Eu vou fazer o filme aí, porque eu sou baiano e porque cinema é cultura!”. Mas acho que hoje ele não ia conseguir fazer cinema.
Quando você vai fazer uma produção você contrata freelancers?
Sim.
E há um cozinheiro-chefe? Como funciona?
Não. Não sou melhor do que ninguém, que isso fique claro, mas eu confio no que faço, porque não faço pelo dinheiro. Não tenho muito enfeite. Tenho cozinheiros lá no camarote da Brahma. Cozinheiros que fazem e eu vou lá e provo. Se estiver errado, eu vou e conserto, porque é o que eu sei fazer. Eu nunca fiz curso de culinária, aprendi na prática. É até um erro, devia fazer um curso para aprender mais. Mas eu contrato cozinheiros freelancers, fazemos o trabalho, eles vão embora e a amizade continua.
Conta para gente o que é o carnaval? Como é fazer o carnaval? É camarote?
Não. O que estou fazendo no carvanal do Rio? Estou implantando o que fiz no cinema. Não existia catering no cinema até 2000. O primeiro catering que teve na Marquês de Sapucaí foi há quatro anos. Eu montei. Só quem têm são as escolas de samba Portela e Porto da Pedra. Têm uns camarotes que eu não faço. Faço a alimentação das equipes que montam os carros alegóricos. Eles chegam às 6h, eu chego uma hora antes. Faço na Marquês de Sapucaí igual ao catering de cinema. Quero implantar no Rio, nas 12 escolas e quero chegar em São Paulo. Mas talvez eu vá primeiro para São Paulo.
Como é esse planejamento dos bastidores?
Eu monto uma mesa. A média da equipe técnica para montar o carnaval é de 200 pessoas, que estão por trás dos carros alegóricos. Eu chego de manhã, monto uma mesa bacana de café da manhã, bem montada, com uma manutenção o dia inteiro. Ao meio-dia, eu sirvo o almoço para aquelas 200 pessoas, levanto o almoço e continuo a manutenção até o fim do dia. Aí, sirvo um lanche reforçado. Isso para a equipe técnica que está montando os carros alegóricos. Aí eles entram na avenida. Quando saem, sirvo mais um lanche. Porque quando os carros saem da Marquês de Sapucaí, eles ainda têm mais quatro horas até chegar na Cidade do Samba. Quer dizer, a mesma ideia que eu tive no cinema e que todo mundo faz hoje, quero implantar no carnaval. Porque eu vejo no evento o sufoco deles, às vezes comendo comida fria, sem café, sem água gelada…
Às vezes, o improviso sai até mais caro…
Pois é. Quero ganhar dinheiro, mas já fiz um monte de curta-metragem de graça, de garotada de faculdade. As compras quem faz é a pessoa do projeto, mas minha mão-de-obra eu faço de graça. Até porque quem faz um curta hoje, daqui a um tempo estará fazendo um longa. O que se precisa em cinema é mais apoio para essa garotada. A Lei Rouanet é boa, mas tem que ser mais fácil para captar, para quem está começando. O governo tem que facilitar. O dinheiro é nosso. É o seu imposto, o meu, o dela. E não é só em cinema não, acho que precisava para teatro também. Para cultura de um modo geral.
Vamos supor que eu te procure agora para fazer um filme em uma cidade pequena do Brasil. Como você planejaria a comida para isso?
É assim: a responsabilidade é minha. A ideia que eu tive foi para aliviar a produção, que tinha muito trabalho para produzir a alimentação. Se você me contrata, eu tenho uma proposta pronta que eu me responsabilizo de entregar em qualquer parte. Se você me contrata em São Paulo e é para fazer no Mato Grosso, não importa. Tenho fogões maiores que não saem da cozinha, tenho uns menores, fornos, tenho tudo. Monto uma cozinha no caminhão e vou fazer no local. A cozinha não fica no caminhão. Quando chego na cidade, alugo uma casa. Porque é assim: se a pessoa levanta muito cedo e quer um pão na chapa, eu sempre levo a chapa. Levo suco, café, leite. Contrato uma equipe e a levo para onde for. Para trabalhar em uma produção, você vai procurar um assistente de confiança. Levo os meus assistentes para evitar problema, porque senão o que roda amanhã é a cabeça. Eu não quero que rode, porque foi um sonho que eu tive entrar para o cinema. Então, hoje que eu faço cinema, eu quero é melhorar. Tenho o projeto quase pronto de uma cozinha montada em um ônibus. Vou comprar um ônibus e montar uma cozinha para não ter que alugar mais casa. Não compensa levar os ingredientes daqui. Compro no local, porque o preço no Brasil é mais ou menos o mesmo. Só é mais difícil quando o lugar é muito longe, é mais roça. Aí você tem que levar coisas que pode não ter lá. A alimentação da gente da cidade é um pouquinho mais elaborada. Na roça é mais simples. Então eu compro no mercado grande, boto no caminhão e chego com tudo. Eu fiz Abolição, em 1987. Foi uma minissérie do Walter Avancini, gravada na cidade mineira Rio Preto. Chegando lá, fechei uma padaria. Porque a padaria só fazia 500 pães e eu comprava todos de manhã (risos). O dono teve que botar mais gente para fazer pão, porque eu comprava tudo. Então, em cidade pequena, eu já me previno antes para não deixar furo.
Você gosta mais de viajar ou ficar no eixo Rio-São Paulo?
Gosto de aventura, de pegar uma produção fora como essa que eu fiz do Avancini. Encarei o desafio, porque eram 500 pessoas no interior de Minas, em uma cidade muito pequena e eu topei fazer.
Como foi trabalhar com a Xuxa?
A Xuxa é ótima. Quando ela foi para a TV Globo, eu já estava lá trabalhando e servi à produção dela por um ano e três meses. A Marlene Mattos não é uma pessoa tão difícil de lidar, como as pessoas dizem, mas eu não lidava tanto com ela diretamente. O Marcelo Paranhos era o produtor-executivo e lidava com a produção. Mas a Xuxa quase não come. Carne, de jeito nenhum. Se ela comer, é só um molhinho, que bota assim no pão. Mas trabalhar com produção grande é fácil, porque aí você contrata pessoas competentes.
Outras empresas foram criadas para fazer catering para o mercado audiovisual. E a concorrência hoje, como é?
Abriram outras depois que eu saí, porque, de 1982 a 1988, ninguém criou. Tinha o Marcelo Colker [proprietário de buffet], que só fazia aquilo que eu não queria. Chegou uma hora que eu só fazia a partir de 50 pessoas. Quando a produção era pequena, de 30 pessoas, o transporte é por conta dela. Em 1988, coloquei um sócio e perdi tudo. Aí o segmento cresceu. Hoje, no Rio, têm umas 20 empresas. Mas eu não olho o concorrente como inimigo. Olho como aliado. Se eu precisar dele ou ele precisar de mim, sou mais de orientar. Se chego na produção de um filme para levar minha proposta e tem um outro concorrente, falo assim para a produção: “Não derrubem a pessoa. Se ela cair por si, estou aqui para fazer”.
Como foi a Era Collor e tudo que parou na indústria cinematográfica, quando se fechou a Embrafilme?
A Embrafilme era uma vaca de leite, que todo mundo queria mamar. Quando fechou, parou. Fui fazer outra coisa, porque não choro leite derramado. Em 1988, quando perdi tudo, fui ajudante de pedreiro, encarei uma marreta. Parei um tempo e, em 1995, voltei. Aí já estava melhor, mas foi difícil. O tempo do Collor não foi certo ou errado, mas ele fechou o cinema. E eu fui trabalhar na construção civil. Fiz comida para o setor, é mais simples. E aí a construção civil faliu também. E eu fali junto. Voltei para o Rio quando o cinema já estava melhor. E no cinema, hoje, eu só quero que vocês não deixem as mulheres do lado de fora (risos). Se a mulher sair, o cinema fecha.
Você falou antes das mulheres também. Quando o cinema era organizado por homens, ele era, na verdade, desorganizado. As mulheres entraram aonde, em que parte do cinema e o que elas vieram fazer?
Nos anos 80, as pessoas não tinham coragem de colocar uma mulher como diretora de fotografia ou como diretora de grandes comerciais. Fiz os grandes e não tinha. Hoje, você encontra. O que tem de diretora-executiva no cinema carioca, ufa! As mulheres como diretoras-executivas são mais organizadas e unidas. O homem tem aquela coisa de medir força. E força não se divide. Você tem que juntar a força. Você pode até administrar sua empresa, mas num projeto a mulher é sempre melhor, mais organizada. Eu não sei o porquê.
E, engraçado, é que hoje em dia na cozinha existem mais chefs homens do que mulheres…
Hoje em dia sim, o homem está partindo para a cozinha. Mas porque geralmente o homem já aprendeu com uma mulher. Tudo começa com a mulher. Vocês vão ver, no cinema eu estou falando porque eu voltei há cinco anos. Tenho feito pouco cinema, mas do pouco que fiz vi que está muito organizado.O estúdio acontece na hora certa, não atrasa tanto. Antigamente tinha muito atraso, a comunicação era difícil, não tinha informática, internet. E mulher é mais equilibrada: se ela for atravessar um lago e analisar que não dá, ela não se joga. O homem se joga. Mulher só fica no lugar que vai dar certo. Então vamos deixar a mulher tocar o cinema que é para a gente chegar a concorrer com Hollywood (risos).
Você vê cinema?
Não tenho muito tempo, mas gosto. Quando dá tempo, eu vou. Mas a minha vida é mais por trás de vocês. Eu quero dar apoio, fico trabalhando por trás. Não tenho muito tempo.
Vamos entrar na sua produção agora. Fala um cardápio de segunda à segunda…
Em cinema, tem que ter sempre duas carnes, uma branca e uma vermelha. Como no domingo você já comeu um macarrão ou frango da mamãe, a gente bota, na segunda-feira, filé de peixe e carne assada. Salada mista também, alface, tomate, agrião. Na terça-feira, a gente pode mudar para filé de frango grelhado com molho branco e uma lasanha de carne. Na quarta-feira, a gente faz frango a quatro queijos. Para a carne, um bife a rolê. E eu falo: “Não botem toucinho de fumeiro, o bacon, que aí ele fica muito pesado”. Na quinta-feira, a gente coloca uma coisa mais pesada: carne assada recheada ou churrasquinho misto. E, no mesmo dia, um peixe no forno, pode ser corvina, que é um peixe popular, com um bom tempero. Na sexta-feira, uma carne à milanesa. No sábado, um bife à parmegiana, com um bom molho e queijo, além da carne branca. Também o dia merece um bobó de camarão ou um camarão de panela, no molho. No domingo, um estrogonofe com batata palha e salada verde. De sobremesa, um pudim, que é o que o brasileiro gosta. Falo isso porque eu sou um sergipano-carioca. E, no Rio, o pessoal gosta muito desse tipo de comida. Um bom feijão, um feijão bem temperado. Faço o preto para o carioca e o mulatinho para o paulista.
Qual a diferença de cozinhar para cinema e cozinhar para televisão?
É um pouco diferente. A televisão se distancia do povo. Em um set de filmagem você não tem contato com a produção, só com o assistente, é diferente. Eles não se
abraçam. Tem que mudar esse negócio, tem que ser mais povo. O pessoal de cinema é mais amigo e televisão é mais profissional. Eles cumprem o que está no papel. Eu
nunca fiz um contrato em cinema e não tenho um centavo atrasado para receber.
Como você faz quando a pessoa quer fazer um filme e tem pouco dinheiro?
Faço parceria. Não dá para gastar mais do que tem. Você tem que buscar pessoas amigas. Porque a tendência é melhorar, você nunca pode pensar que vai piorar. Se está ruim, fique feliz. Se está bom, abra o olho para não ficar ruim. Por que a mulher dá certo? Porque a mulher faz as coisas com muito cuidado, ela só trabalha com o que tem.
Em média, existem 70 pessoas em um longa-metragem. É muita gente?
Não. São 70 hoje porque as mulheres organizaram. Era uma média de 100. Hoje, se faz uma produção até com 40. Mas uma produção bacana tem umas 60, 70. Eu nunca deixo faltar alimentação. Se você pede para 70, eu levo uns 20% a mais, que eu possa fazer na hora. Nunca se sabe. Você pode trazer um amigo e não vai mandar o cara almoçar fora. E como é uma coisa organizada desde de manhã, a gente sabe mais ou menos como vai ser o dia. Se vão vir mais pessoas, eu, já do set, ligo para a cozinha e mando vir mais. Não pode faltar.
Qual o lugar na produção de cinema que você não gostaria de estar?
No lugar que você está agora (risos). É o mais difícil. Como executivo, para organizar uma produção, você tem que ter certeza de que não vai deixar furo. Um dia que você perde é um dia que os patrocinadores vão te cobrar quando você for lançar. A posição do diretor é a de se cercar de pessoas competentes. Entro eu aí, por trás. Para não acontecer o erro.
Fala da alimentação de atores que você trabalhou. Renato Aragão, por exemplo.
Renato Aragão é como um irmão. Mas ele é tão famoso, que se distanciou. A alimentação dele é só grelhada. Uma pessoa simples é Chico Anysio. O que tiver na mesa, para ele, está ótimo. Os atores são todos educados, mas, entre todos, eu destaco um: Tony Ramos. Quando ele chega na mesa, ele pede: “Por favor, por obséquio”. A única coisa que eu não sei fazer é comida japonesa. E aí eu contrato, não deixo na mão. E quando eu faço uma produção fora, eu faço o levantamento de todo mundo que vai. Porque aí eu vou saber o que você gosta de comer, se você é paulista, carioca, baiano, para saber o que fazer para agradar.
E quanto às pessoas que só comem determinadas coisas, como você se vira?
Faço um levantamento, pego os nomes das atrizes, para ver o que a pessoa come ou não. A Xuxa, por exemplo, não come certas coisas. Normalmente, a produção manda buscar em outro lugar, mas eu sempre estou preparado, sempre tenho legumes, verduras, frutas variadas. Descobri que a Xuxa gosta de fruta-do-conde. A Regina Duarte só come salada, o Pedro Bial adora salada verde com agrião. Então, já sei o que levar. Não posso deixar furo porque eles não podem sair dali senão atrasa. Quando entrei em cinema foi pensando em adiantar o lado dos executivos, para não atrapalhar o projeto.
Qual seria a política cultural ideal?
A Lei Rouanet é boa, mas eu ainda acho que os políticos estão segurando muito dinheiro para falcatrua. E ela precisa ser mais aberta, para mais gente. O que falta é a Lei Rouanet dar mais apoio. Na televisão, não posso condenar ninguém, mas vejo que estão gastando muito dinheiro com coisas que não são úteis e deixando a cultura. Um país sem cultura, um país burro, vai para trás. Se nós chegamos onde chegamos, temos que melhorar. Para isso, precisamos do governo. Eu faço carnaval, é um sufoco, só continuo fazendo porque a liga é organizada. Não adianta um político ir para avenida no Rio só para aparecer na televisão, porque o carnaval começa dez meses antes.
A cultura alimenta e muda as pessoas?
A cultura muda tudo. Sem cultura, o Brasil não vai para frente. Por exemplo, vamos falar de alimentação. Um país sem cultura não tem uma boa alimentação. A criança vai ficar magra e barrigudinha, igual eu era na roça. Então a cultura ensina tudo. Eu mesmo faço os pratos que faço, mas leio muitos livros, vejo televisão, compro livro de culinária. E mudo (as receitas) para ficarem com a minha cara. Não adianta eu fazer uma receita de Ana Maria Braga e fazer igual. Não, eu vou mudar. Porque aí eu
falo que a comida tem a minha assinatura. Uma alimentação balanceada serve para você desenvolver um bom trabalho. Se você não fizer uma boa alimentação, vai ter sono, não vai ter pique. A alimentação tem que ser aquilo que a pessoa está acostumada, que ela gosta. Se não gostar vamos ver o que a gente pode melhorar. Eu não faço comida para mim: é o meu paladar tentando agradar o teu.
Entrevista realizada por Fabio Maleronka Ferron e Sergio Cohn
no dia 18 de abril de 2010, em São Paulo.
Para assistir esta entrevista em vídeo:
https://producaocultural.procomum.org/2010/08/06/sergipe-2/