Entrevista completa com Adhemar Oliveira, para o Produção Cultural no Brasil
Adhemar Oliveira gostava de exibir filmes no colégio. Logo, virou cineclubista. Início nada surpreendente para aquele que é hoje um dos mais bem-sucedidos empresários do ramo de exibição, sócio-diretor das redes Espaço Unibanco/Unibanco Arteplex. “Um programador é aquele que conhece, que viu, que experimentou”, diz. “Desenvolvi um senso bom de programação, juntando à sociologia que fiz e também a um feeling sobre o gosto das pessoas.” São muitas as encruzilhadas que, segundo Adhemar, precisam ser resolvidas no circuito exibidor. O próprio esmagamento dos cinemas de rua, ele crê, acompanhou um refluxo dos cineclubes. “O cineclubismo dos anos 70 era uma arma política, mais do que uma arma cultural.” Para ele, o fim da ditadura acabou com os filmes proibidos, o que fez minguar a figura do cinéfilo cineclubista. Mas Adhemar aposta na retomada dos cinemas de rua. “Porque advém da insegurança, o maior inimigo do cinema. Só que a existência do cinema devolve a segurança.” Adhemar aponta várias causas para o achatamento do circuito exibidor – de 5 mil salas, nos anos 70, para cerca de 2 mil, atualmente. Uma delas é o DVD, que de certa forma acabou com as reprises no cinema. Outra é a ideia de que cinema tem que existir necessariamente em shoppings. Mas, como perspectiva, ele aposta que a superação da película pelo digital tende a fazer com que o cinema consiga se expandir mais. “Aquele custo de fazer cópia, de transportar para Maranhão, Manaus, vai desaparecer.” Como começou a sua relação com o cinema? Exatamente pela exibição. Fiz o colegial em Ourinhos, na divisa de São Paulo com o Paraná. E lá, eu batalhava para alugar filmes e passar na quadra de esportes do colégio. Quando vim para São Paulo e entrei nas ciências sociais da USP, tinha um cineclube chamado Cineclube Barracos. Comecei a participar ali. Prestei um concurso e entrei no Banco Central do Brasil, no prédio da Avenida Paulista. Montei um cineclube lá dentro, passando filmes de 16 milímetros. Quando terminei a faculdade, queria ir embora do país e pedi demissão. Estava com 24 anos, cabeça feita, sonhando em fazer pós-graduação no México. Um amigo me convidou para dirigir o Cineclube Bixiga, que ele havia montado há seis meses. Era um negócio que estava dando certo, mas as contas estavam todas bagunçadas. Peguei o Cineclube Bixiga em 1981, se não me engano, e o dirigi durante um ano. Era o primeiro no Brasil com uma postura independente, não era vinculado a escola, a igreja ou ao sindicato. Existia na rua. Era um cinema, mas no formato de cineclube. Aprendi ali a projetar, programar em 35 milímetros. Depois de um ano, dei as chaves, saí de São Paulo e fui para o Rio de Janeiro. Fiquei escrevendo textos, ganhei dois prêmios em textos para teatro, tinha um envolvimento com o teatro, mas sempre olhando os navios para ir embora do país. Aí foi ficando menor a ideia de ir embora, porque me envolvi na Federação de Cineclubes, com o Cineclube Macunaíma, da Associação Brasileira de Imprensa (ABI). Programei ali durante dois anos e meio, virei meio band leader da turma. E parti para criar um cineclube maior que o Bixiga, que foi o Cineclube Estação Botafogo. Nesse histórico de USP, Bixiga e depois Rio de Janeiro, como é que você desenvolveu a programação em cinema? Sempre gostei muito de ver filmes, de tudo quanto é tipo. Na época não existia o CineSesc, o cinema do Sesc era no Teatro Anchieta, onde passavam filmes peruanos e outras coisas. O Museu da Imagem e do Som (MIS) de São Paulo passava filmes brasileiros. Todos bem baratinhos ou de graça, para estudantes. Eu corria atrás e via quase tudo. Por leitura, você sabia de mais coisas que não via. Não chegavam coisas que você queria ver. Um programador é aquele que conhece, que viu, que experimentou. Não adianta falar de um programador que não experimentou. Por que um filme dá certo e o outro não? Eu desenvolvi um senso bom de programação, juntando com a sociologia que fiz e também com um feeling sobre o gosto das pessoas. Programação é um jogo de sedução. Você pode apostar todas as fichas em um filme, mas se você não olhar com o olhar do espectador, você está programando para você. Normalmente, você programa para o outro, então você sempre tem que estar se travestido de espectador para programar. Isso eu aprendi primeiro indo ao cinema. É preciso pensar na formação de público, mas também trazer o novo, induzir aqui, colocar algo estranho ali. Como fazer esse jogo? Falando mais do próprio Bixiga e do Cineclube Macunaíma: naquele momento, eu não criava plateia. Porque na verdade a plateia já existia. O que não existia era inteligência, sabedoria, discernimento, de quem estava do lado da proposição. Existia um público para as reprises. Lembro que em 1981, no Cineclube Bixiga, passamos toda a nouvelle vague, Bergman, com um sucesso enorme. Tinha um bando de jovens querendo conhecer. Na época, não tinha nem VHS e nem DVD. Essa percepção de que já existe uma plateia formada foi o que deu o insight de dizer: “Dá para apostar”. Na época, eu não era empresário, não sabia como levantar. Para montar, por exemplo, o Estação Botafogo, o nosso patrocínio foi um empréstimo de cerca de US$ 50 mil para pagar em doze meses, do Banco Nacional. Nesse momento, a gente talvez estivesse criando plateia, mas o primeiro ponto – e daí a noção do sucesso da coisa – foi que nós estávamos atendendo a uma demanda que já existia, pessoas que queriam ver aquilo. Na sequência é que trabalho para uma formação de plateia, porque começo a ir ao Festival de Cannes: “Já que vocês não compram, vou lá comprar os direitos dos filmes e trazer”. Chegou um momento em que a gente lançava filmes aqui que Nova York e Paris não tinham ainda. Isso a partir do apoio dos consulados da França, da Alemanha, do Japão, do Instituto Goethe, ou coisa