Entrevista completa com Nelson Motta, para o Produção Cultural no Brasil

Jornalista, compositor, roteirista, letrista, produtor musical, escritor. Mais difícil do que listar as tantas atividades que desenvolve é saber em qual delas ele se sai melhor. Paulistano radicado no Rio de Janeiro, Nelson Motta comeu e respirou música ao longo de toda a vida. Paixão tão contagiante que foi convidado a se tornar produtor musical sem nunca ter feito produção antes. Topou. Aprendeu o ofício com sua sensibilidade. “Como passar para os músicos o que você quer, sem impor, sem ser tirano, mas sendo firme?”, recorda, sobre a encruzilhada que precisava resolver para ser bem-sucedido. Construiu tamanha reputação que, em um certo momento da carreira, pode lançar uma jovem cantora quebrando paradigmas do mainstream fonográfico. Era Marisa Monte. Se é um “dinossauro” do meio, Motta passa longe de ser um conservador. Ao contrário, é um entusiasta ferrenho das novas tecnologias para a visibilidade das artes. Ele lembra que, até há pouco tempo, só as gravadoras dispunham de estúdio de gravação. “Hoje você faz um no banheiro de sua casa.” Mas faz a ressalva: “Tecnologia é que nem droga: não dá talento a quem não tem.” Nelson, que caminhos sonoros te fizeram um produtor musical? Sempre gostei muito de música. Mas me apaixonei mesmo com João Gilberto. Aí eu quis aprender a tocar violão. Mas é uma paixão não correspondida: a música não se apaixonou por mim. Não tenho talento musical. Tudo que eu conseguia com música era com muito esforço. Aprendi bastante com Roberto Menescal, quando eu tinha essa ideia fixa de música, isso no começo dos anos 60, uma insanidade. Fui fazer design na Escola Superior de Desenho Industrial. Sempre ligado à música, mas decidido a ser designer. No terceiro ano, eu tinha um professor de português que ensinava os designers a escrever, a redigir seus projetos. As aulas eram maravilhosas. Ele falava de literatura, de novo jornalismo, fiquei louco com tudo aquilo. Esse professor era o Zuenir Ventura. E no último ano da faculdade de design, fui trabalhar em jornal, um estágio no Jornal do Brasil, e acabei largando a faculdade. Então, como um jornalista iniciante, um estagiário, eu tinha um grande background de música. Além disso, eu conhecia pessoalmente todos aqueles artistas. Rapidamente fui para o caderno de cultura. Depois passei a crítico de música. Tinha 21 anos, por aí – e tinha também uma coluna de notícias. E, em 1968, nesse ano fatídico, minha vida pessoal também foi uma revolução. O André Midani – que era amigo dos meus pais – voltou do México, onde tinha trabalhado em gravadora, e me chamou para ser produtor de discos. Eu nunca tinha produzido disco na minha vida. Meu conhecimento era o de um músico precário e a minha vivência da música ali em volta. Aí eu larguei o jornalismo para produzir discos. Houve uma mudança muito grande. Eu tinha só uma visão, a visão do crítico. Eu queria o melhor e o meu padrão sempre foi de muita exigência, porque eu sou “filho” de João Gilberto. Então, essa geração do grande jazz americano, do João Gilberto, do Tom Jobim, da bossa nova, não era música para criança. Quando você entra no estúdio e tem que produzir o disco, tem que encarar vários outros fatores.  Primeiro, o relacionamento humano com os músicos no estúdio. Eu falei, apavorado: “Meu Deus! O que é que eu vou fazer aqui?” O primeiro disco que eu produzi foi da Joyce, ela estava começando. Vamos chamar quem? Wilson das Neves, na bateria, o Luizão, no baixo. Daí eu estou lá no estúdio com aqueles músicos todos. Como saber o que você quer, e como passar para os músicos o que você quer, sem impor, sem ser tirano, mas sendo firme? Você não pode ser enrolado. Os caras dão um nó no teu rabo ali, se fazem duas, três perguntas e você não responde direito. Então, essa parte é fundamental. E eu acabei me dando bem nessa parte, mais do que um dom musical, eu tenho um talento inato de relacionamento pessoal. Nesse sentido, sou muito habilidoso. Fui desenvolvendo um jeito, um estilo de lidar com as coisas, e aprendi muito com isso, porque o que interessa é o resultado. Se eu estiver no estúdio, e tiver que pedir desculpas para que a coisa saia como eu quero, vale. Se tiver que soltar os cachorros, também vale. Mas acho que o segredo da história é você primeiro ter claro o que você quer, depois saber pedir, fazer um clima, como um técnico de futebol. Ali você exerce um papel parecido, na dinâmica da gravação. Isso depois de cinco, seis, oito horas de gravação, e, às vezes, a mesma música. Aprendi também que você não fala na frente de todo mundo. Você chama o cara: “Ó, você é maravilhoso, é o músico da minha vida, mas esse pedaço aqui não foi legal”. O cara reconhece sempre, em uma boa: “Certo, desculpe. Vamos lá”. Se você chega no meio de três pessoas e fala: “Pô, cara, você errou a letra”, o outro vai dizer: “Eu não, não errei. Você está ouvindo errado”. Aí começa. O pessoal não gosta de testemunhas dos seus eventuais erros. Vou usar todas as táticas para conseguir o resultado que eu quero daquilo, que eu estou sendo pago para aquilo. Passei a ver que a música era um dos elementos do disco, que várias outras coisas entravam. A imagem é fundamental, além de outros fatores. Entender que aquela música é um produto, para ser vendido para um público. Então, ali eu passei a ter uma visão por outros ângulos, foi uma experiência muito enriquecedora. A minha formação de produtor de disco tem essa base teórica, de um aprendizado musical, da crítica, e depois a prática de estúdio, em condições ultraprecárias. A gente gravava em estúdio de quatro canais. Hoje, na minha casa, tenho muito mais recursos do que no estúdio que eu gravava com Elis Regina, em 1969. Meu laptop tem muito mais do que aquilo. Levando em conta o estúdio, o