Entrevista completa com Heloísa Buarque de Hollanda, para o Produção Cultural no Brasil
Heloísa Buarque de Hollanda é graduada em letras clássicas, mestre e doutora em literatura, com pós-doutorado em sociologia da cultura. Com trânsito livre no meio universitário, suas opiniões sobre a vida acadêmica são contundentes: “Defesa de tese é uma situação patética”, “Pós-doutorado não passa de um projeto de extensão porque não dá grau”, “A universidade está perdidaça”. Também sócia da editora Aeroplano, Heloísa tem nos estudos culturais seu principal campo de interesse. Nesta entrevista, ela lembra da própria transformação intelectual, desde a idealização da periferia na época do Centro Popular de Cultura da União Nacional dos Estudantes (CPC/UNE), nos anos 60, até recentemente, quando ouviu do escritor Ferréz a frase: “Não vou à universidade, minha miséria é minha e não te dou”. Naquele momento, Heloísa concluiu ter perdido o “emprego como missionária intelectual”. Foi, no entanto, a descoberta de um novo caminho. O imobilismo das premissas acadêmicas absorve grande parte das preocupações desta pesquisadora. “As regras acadêmicas são completamente paralisantes. Você não pode inovar em uma tese, porque você tem que se defender. E inovação é sempre uma área de risco”, diz. Heloísa está envolvida ainda coma Universidade das Quebradas, um espaço de troca entre a academia e a periferia do Rio de Janeiro, e tem buscado estudar a influência do mundo digital na cultura. Heloísa, como tirar a pesquisa acadêmica do vício das teses? É difícil demais! Fico convencendo os meus orientandos a não fazer tese:“Acabem logo com isso, pula essa fogueira”. É impossível trabalhar com oformato tese. Não há liberdade nenhuma, você não pode mudar sua proposta. Para mudar tem que fazer uma petição, uma explicação, todo mundoconcordar, etc. Você tem um formato que é rígido e que ninguém conseguedriblar. Você tem que colocar a palavra “comunicação” um número “x” de vezes em uma tese para ela ser reconhecida pela Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). O que você acha disso? É quase impossível. Eu boto logo no título: “Produção de livro e comunicação”. De outro modo, a tese não é reconhecida. A palavra-chave é que vale, não o conteúdo. É uma loucura. As regras acadêmicas são completamente paralisantes. Tese é uma coisa do século 19, do começo do século 20, não foi revista nunca. Tem que acabar com isso. E a defesa de tese? É uma situação patética. A banca tem obrigação de colocar você em uma posição de ré, de defesa. Você escreve uma tese – sei porque tive milhares de orientandos – para se defender. Não para inventar, ultrapassar fronteiras, inovar. Você não pode inovar em uma tese porque você tem que se defender e inovação é sempre uma área de risco. Acaba sendo burrice você fazer uma tese propondo inovação, porque na defesa você não vai ter segurança, não vai saber consolidar. É uma fogueira que você tem que pular por ritual e começar a trabalhar depois. A universidade está engessada? Você sente isso? Na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), tenho um programa chamado Programa Avançado de Cultura Contemporânea (PACC), ligado ao Fórum de Ciência e Cultura. O formato não é o de um centro, instituto ou núcleo. É um programa, o que, na prática, não é nada. É o seguinte: você tem três projetos dentro de um programa. E acaba no dia que acabarem os projetos. Não tem diretor, não tem coordenador, não tem equipe, eu não sou ninguém institucionalmente. Descobri isso depois de ter feito o Centro Interdisciplinar de Estudos Culturais (CIEC). Inventei o PACC, que é um programa, e disseram: “Por que você não quer ser uma unidade orçamentária?”. Porque eu não posso receber dinheiro. Quem recebe é o fórum ao qual estou vinculada. Sou apenas um programa. Se eu abrir essa deixa de receber dinheiro, eu não trabalho! Porque eu vou ter uma dose de controle sobre mim insuportável. Inventei esse programa e junto com ele uma associação de amigos. Quando tem uma verba internacional, uma coisa difícil, eu giro por ali e repasso para a universidade. Olha, para sobreviver na universidade, tem que ter muito macete. Agora, estou feliz com esse último processo. Trabalho com uma desenvoltura que eu nunca tive na universidade: “Não sou ninguém, tenho um programa de pesquisa, mas não tem nada além de um programa de pesquisa”. É uma pesquisa minha, individual. Ridículo que a universidade não possa capitalizar isso: quem capitaliza sou eu. Não pertenço praticamente à universidade, é um absurdo! Nesse programa, eu percebi que as pessoas fazem tese e depois entram em orfandade profunda. Como assim? Até a tese, há a figura do orientador, existe a tal banca, você é uma referência, escreve pensando no que a banca vai perguntar. Então você tem aquele entorno todo que te suporta um pouco. Aí você vira doutor e não tem mais interlocutor na universidade. Não tem espaço nenhum onde você possa discutir ideias. Acabou. Tornou-se doutor e acabou sua carreira. Você não tem mais o que fazer depois, não tem espaço para continuar dialogando.Você vai dar aula, vai ser orientador, vai ser chefe de departamento, um monte de coisa dos conselhos, mas não tem espaço de invenção, é um horror. Você perde o poder de fala com os seus pares. Para fugir disso, eu fiz o programa de pós-doutorado, uma delícia total. Criei um ambiente onde as pessoas vão, se encontram uma vez por mês e falam o que quiserem. Todo mundo opina, é isso, é um ambiente, mais nada. Você não deve entregar nada, aliás, entrega um artigo para poder ter o certificado, que é um certificado também que não vale nada, e faz um verbete para o Wikipedia, que é para divulgar. Tem gente com bolsa de pós-doutorado, só que eles não sabem para onde vão porque não tem nem um programa de pós-doutorado, porque não interessa à universidade. Interessa que você vá para fora. Você pede um pós-doutorado para Paris e ganha, certamente. Se tiver um mínimo de produção, você vai para Paris, para o México, para qualquer lugar, menos ficar no