Ricardo de Carvalho Duarte, o Chacal, é uma das referências da poesia marginal brasileira. Nascido em 1951, publicou seu primeiro livro de poesia, Muito Prazer, aos 20 anos. Envolvido com a contracultura, o rock and roll e a poesia beat, Chacal considera ter sido uma epifania a sua leitura de Oswald de Andrade. “Eu falei: ‘Cara, isso pode ser poesia?’ Essa coisa sintética, bem humorada?”
Na década de 70, também foi integrante do grupo Nuvem Cigana, com Charles Peixoto, Bernardo Vilhena e outros artistas da poesia contemporânea. Chacal também é produtor cultural. Aliás, afirma que não vê “tanta diferença entre a poesia e a produção cultural”. “Da mesma forma que você trabalha um poema, escolhe uma palavra, corta um verso e faz um poema ficar em pé, você precisa trabalhar uma produção, pensar em um elenco, pensar as formas de produzir, de divulgar.”
Criou, nos anos 90, o Centro de Experimentação Poética (CEP 20000) com a colaboração do também curador Guilherme Zarvos. É um “grande hangar de visionários”. Para Chacal, as feiras e bienais estão muito focadas no mercado editorial. “Acho uma coisa até meio nociva, porque a literatura passa a valer diante do que ela vende.” Em 2002, aproveitou o mote de seus 50 anos para publicar A Vida É Curta pra Ser Pequena.
A poesia brasileira historicamente nunca teve suporte de grandes editoras. Você faz parte de uma geração que precisou chutar a porta para produzir. Como foi isso?
Tive sorte de viver em um período, em um contexto histórico que era propício ao “do it yourself”. Os movimentos hippie, de contracultura, do rock, a negação de uma série de valores, permitiam viver isso no final dos anos 60. Como eu estava imerso nesse caldo cultural, não foi uma coisa tão difícil. Existiam os modelos alternativos da contracultura, então eu segui mais ou menos esse caminho. Com 16, 17 anos, eu estava vivendo Beatles, Rolling Stones, Jimi Hendrix, todo aquele estouro pop, Godard, novas experiências e experimentações. Fora isso, tinha toda a poesia beat, os manifestos contra a guerra no Vietnã, a ditadura no Brasil e o movimento estudantil. Era muita informação diariamente. Tinham os ácidos lisérgicos e tudo mais. Para o lado bom e para o lado ruim também. E eu tinha uma necessidade quase física e vital de dialogar com o mundo naquele período, senão eu ia implodir diante daquela avassaladora quantidade de informações. Diferente de hoje, quando somos invadidos toda hora por uma série de informações desnecessárias, sem critérios. Naquele período não, a informação estética era muito forte. Você via um filme do Godard, do Glauber e não saía o mesmo, saía diferente. Isso tudo não podia ser absorvido sem dialogar com a informação. A poesia veio para a minha vida por meio de Oswald de Andrade, que foi para mim um grande facilitador da expressão poética. Veio também com o tropicalismo, onde se mistura com o Oswald em O Rei da Vela, encenado por Zé Celso Martinez, e também com as letras de música. Eu percebi que aquela era a forma com a qual eu podia dialogar criativa e artisticamente com o mundo. Eu já gostava de ler Monteiro Lobato, contos de fada, aquela literatura junkie de Carlos Castaneda, Hermann Hesse, um pouco depois o Guimarães Rosa. Então já tinha esse prazer da leitura. Daí para escrever poesia foi um passo. Como eu estava imerso nesse caldo da cultura, daquele “do it yourself”, não foi difícil fazer o livro em mimeógrafo.
Como era o ambiente poético nos anos 70?
Naquele período teve meu grupo formador, com quem eu comecei, que foi o Charles Peixoto e o Guilherme Mandaro [integrantes do grupo marginal Nuvem Cigana]. Era uma turma da escola de comunicação que vivia se drogando, escrevendo poesia, ouvindo rock e consumindo essa contracultura. A poesia era, nesse período, pelo menos para o nosso entendimento, uma coisa que estava ligada à música. Ou seja, era tropicalismo, um pouco a bossa nova e, principalmente, o rock. O ambiente poético daquele período estava dividido entre a poesia concreta e a poesia engajada do Centro Popular de Cultura (CPC), da União Nacional dos Estudantes (UNE). Não era uma coisa muito atrativa para a gente. Fomos por esse lado mais intuitivo, não tinha ninguém de letras, eram todos de comunicação, história e filosofia. Queríamos ser cantores de rock, ou pelo menos de iê-iê-iê, porque eram nossos grandes mitos – o palco, aquela aparelhagem, milhares de pessoas na plateia. Até hoje acho isso interessante. Eram os nossos modelos, porque modelo de poeta a gente não tinha. Isso que foi uma dificuldade, como fazer aquela poesia do jeito que a gente queria fazer e como afirmar aquilo como poesia mesmo, em livro, em texto. As referências do modernismo eram vagas. Nós éramos classe média de Copacabana, não tinha essa coisa de letras e nem de intelectualidade. Eram sexo, drogas e rock and roll. O início de fato, concreto, foi quando no meio dessa contracultura caiu nas minhas mãos, por meio do Charles Peixoto, companheiro desse início de poesia, um livrinho do Oswald de Andrade, da editora Agir. Era uma coletânea feita pelo Haroldo de Campos. Aquilo foi como a Virgem de Lourdes, foi uma epifania. Eu falei: “Cara, isso pode ser poesia? Essa coisa sintética, bem humorada?”. Totalmente diferente da concepção de poesia que você aprende na escola, dos parnasianos, dos clássicos. Então juntei a fome com a vontade de comer. Juntei o meu desejo e prazer em escrever com uma forma que me interessava: sintética, experimental, cinematográfica. Aí eu comecei a escrever muito próximo do Oswald. Ia anotando em cadernos, manuscritos, às vezes com um desenhozinho. Caneta Pilot colorida fazia parte do universo psicodélico da época. Colagem e desenhos a Pilot. Aí fui mostrando para os amigos que frequentavam minha casa, eu morava com Guilherme Mandaro, que na época era professor de história em curso pré-vestibular. E os amigos liam aquilo e achavam bacana, perguntavam por que eu não publicava. Mas eu achava um bicho de sete cabeças esse negócio de publicar, não sabia como era, se tinha que procurar uma editora. Lembrando que a gente estava em uma ditadura, isso foi em 1970, então não havia estímulo para você sair daquele mundo sexo, drogas e rock and roll, da psicodelia. Ou era doido ou era careta. Aí o Guilherme Mandaro sugeriu que a gente fizesse um livro em mimeógrafo. Ele já tinha a manha de rodar prova e de rodar panfleto em mimeógrafo para o movimento estudantil. Fizemos uma tiragem de 100 cópias e distribuímos. Tem uma mudança aí que eu acho que é radical, de paradigma – não havia interesse nosso em uma literatura perene e nem em um livro perene. Não tínhamos necessidade disso. Para a gente era curtição. Escrever, ler, a vida era uma grande curtição. Isso nos ajudou a ousar e a experimentar as coisas. Até hoje, eu acho essa coisa da posteridade uma invenção. Não tem a ver com arte isso.
Naquele momento a poesia era uma coisa que se podia fazer de forma barata e independente. Agora, 40 anos depois, você produz eventos que o obrigam a ter uma estrutura maior. Como é a diferença de agilidade e de independência?
O problema é que antigamente eu morava com os meus pais e atualmente preciso pagar o aluguel. Sabe por que a tartaruga anda devagar? Porque ela não tem que correr atrás do aluguel, ela já vem com a casinha dela nas costas (risos). Isso é que torna difícil a produção cultural, porque você vai assumindo o compromisso de ter que pagar uma estrutura. Eu não tenho uma casinha nas costas, mas também não sei se é preciso viver na Gávea. Mas é isso, a gente vai pagando contador e é sempre uma coisa a mais que aparece no orçamento mensal e aí você vai ter que crescer para pagar. E não é que eu não goste de trabalhar, muito embora alguns achem isso, e eu de vez em quando ache também. Mas o que acontece é que o trabalho passa a ser uma coisa desagradável. Por mais que eu vá fazer oficinas no Sesc, fazer palestras, não é uma coisa que me dá tesão como era fazer um livrinho em mimeógrafo, chegar distribuindo, chegar no palco e falar um poema. Tudo isso me dava mais tesão porque era uma coisa mais vital.
Você virou produtor por necessidade, porque é ser poeta que te dá prazer, certo? Fale sobre o CEP 20000…
Adoro fazer o CEP 20000, adorava fazer o Artimanhas também. É uma mistura de prazer e de necessidade. O CEP é o Centro de Experimentação Poética, que eu faço há 20 anos no Rio de Janeiro. É um encontro mensal com o apoio da prefeitura. É um grande sarau, tem poesia, música, dança, vídeo. Da forma sempre informal que a gente encaminhou o CEP, ele virou um grande sucesso, principalmente entre os jovens. Porque além das bandas que eles gostavam, tinham poesia, poetas, coisas estranhas para eles, duos de violão, música flamenca. Esse é mais ou menos o CEP. Eu não vejo tanta diferença entre poesia e produção. Da mesma forma que você trabalha um poema, escolhe uma palavra, corta um verso e faz um poema ficar em pé, você precisa trabalhar uma produção, pensar em um elenco, pensar as formas de produzir, de divulgar. Tudo isso são articulações, são estratégias que eu acho que fazem parte do mesmo processo criativo, racional. Eu tenho essa impressão. Eu falo isso porque da mesma forma que me dá prazer botar um poema em pé, me dá prazer botar um CEP em pé, um espetáculo em pé. Eu trabalhei uma época, foi meu highlife em produção, com uma companhia de cigarros. Fiz um evento chamado Free Zone, que rodou um pouco pelo sul do país, Rio, São Paulo, Curitiba e Porto Alegre. Eu lembro que eu montava o elenco e achava aquela composição de nomes e de pessoas um poema. Pensando já como seria aquele encontro no palco e aquelas linguagens diferentes. Era a minha função de curador. Quando a Souza Cruz bancava, a gente podia escolher os nomes. É uma forma de arte, acho que o curador é um artista. Produtor tem aquele lado executivo, mas tem também o idealizador, que é na verdade o meu papel. Mas respondendo à sua questão, acho que a produção poética se aproxima muito da produção em si.
Desde o Artimanhas, aquele grande evento de leitura de poesia que acontecia nos anos 70, existia essa união sua entre trabalho e festa. O CEP 20000 nos últimos anos sofreu restrições de espaço, perdeu um pouco desse espaço celebratório. Como você vê isso?
Isso aí é o lado político da coisa. É preciso atender a desejos contraditórios. A instituição quer aquela coisa burocrática, quer um espetáculo de uma hora e meia, que fique entre o happy hour e o jantar. Não vê a cultura como uma coisa mais ampla. O CEP desde o início foi isso, começava às 21 horas e ia até uma da manhã. Todo mundo fumava, bebia, beijava, namorava e era uma coisa cultural mesmo, da rapaziada. Eles iam ali para se divertir, viver, conviver, sofrer, chorar, se apresentar, se expressar, tudo. A instituição não pode com tamanha felicidade, com tamanha vitalidade. Ainda conseguimos manter isso por oito anos em um espaço da prefeitura e com o dinheiro da prefeitura. Mas aí tem essa tensão, tem o lado político. Exige um jogo de cintura terrível, você tem que lidar com uma instituição que te breca e uma galera que quer chutar o balde. O Guilherme Zarvos, que começou o CEP comigo, chutou o balde. Não aceitava determinadas injunções. Eu, falando a verdade, vivia do CEP, era o meu ganha pão, eu tinha que pagar as minhas contas, então não podia fazer isso. Por outro lado, eu achava que era importante manter o CEP funcionando. Mesmo que ele funcionasse apenas por uma hora, era o espaço que tinha para galera se encontrar, falar de poesia, tocar. É preferível manter o CEP funcionando assim do que não fazer. Agora, é inegável que eu tinha a questão financeira. Eu tenho que viver de algum jeito. De certa forma, era uma maneira honesta e confortável.
O poder público tem obrigações institucionais e o privado, que poderia oferecer mais liberdade, não se interessa por poesia. Como poderia existir uma política que não fosse cerceadora do convívio e da criação?
Na poesia é difícil. Você tem que mexer na educação, você tem que criar uma base no aluno, um interesse pela palavra sem o “tantã” por trás, sem ter a batucada ou a guitarra. Mas isso você tem que trabalhar na base. Hoje em dia, a coisa é muito imediatista. E música mexe com outros instintos, mas talvez não seja uma coisa de tanta reflexão. A palavra permite mais reflexão. Isso não é também interessante ao sistema. Nessa área da poesia, o trabalho é muito mais embaixo. Você teria que ter uma educação artística na escola que permitisse gerar um público. Porque as empresas privadas respondem muito ao público, à demanda do público que vai comprar o produto dela. Se não há essa demanda, as empresas privadas não se interessam por poesia. E os órgãos públicos permitem mais à medida que ela tem público. O poder público, isso já é de muito tempo, não é afeito a experimentações. A própria Lei Rouanet apoia quem não precisa de apoio – basicamente os artistas famosos, pois tem o retorninho da marquinha das empresas ali.
Como idealizador, você tem que colocar uma tensão necessária nos participantes e no público para que o sarau do CEP aconteça. Qual é a tensão correta?
É difícil explicar com palavras isso. Tem uma coisa de energia, de não ir contra, você tem que ir a favor da fluência do espetáculo. Se um cara se levanta, diz que aquilo é uma panelinha e recita um poema quilométrico, você não vai mandar o cara embora. É preciso saber lidar com isso. O CEP era muito fio desencapado, só que a gente tinha um cordão de proteção ali, que eu chamo de energia. E, na verdade, eu acho que é a curadoria. Eu não acredito nessa coisa de democracia, que tem que ser aberto. Tudo tem um recorte, não é? Você gosta mais de umas coisas, menos de outras. Só não dá para ser radical e virar uma panelinha. Mas as pessoas que vão ao CEP já sabem mais ou menos o que elas vão encontrar. Um poetastro sonetista não vai lá, porque sabe que não é a minha onda, já sabe que o CEP não é isso. Não é uma coisa fechada, mas também não é um sarau aberto. Porque hoje em dia as pessoas acham que se chamar de sarau tem que ser aberto. Mas isso é um perigo porque as pessoas só vão ao sarau para poder falar, porque elas têm necessidade de falar, mas não vão para escutar os poemas e menos ainda para se relacionar. Coisa que no CEP é primordial. Sempre foi um lugar de relacionamento, de encontro. A poesia é quase como uma consequência disso, e eu vejo pouco disso hoje. Você dispersa a energia se põe vários tipos de discurso. Eu não acho que isso seja interessante, embora não queira ser fechado.
Você já esteve em eventos poéticos mundo afora? Fala um pouco sobre o que já viu e participou…
Eu vi um festival internacional de poesia em Londres, em 1973, que tinha poetas do mundo inteiro falando poesia. O Allen Ginsberg era um dos poetas convidados. Cheguei lá e era um teatro imenso, quase dois mil lugares, lotado. Eu já achei aquilo incrível, o público para poesia. Comecei a pensar que podia ser uma fonte de renda fazer um espetáculo de poesia, não só vender os livros. Só fazendo um adendo, o que me deu gás para ser poeta esse tempo todo foi que eu sempre achei que tinha que viver de poesia. Desde o início era fazer o livro para vender o livro, fazer performance para vender a performance. Mas, voltando a esse festival, como eu falava mal inglês, ainda mais poesia, que é difícil de entender quando é falada, fiquei mais prestando atenção na performance. Aí vinha o poeta africano, negão, e declamava, vinha um poeta russo, um loiro, e declamava. Mas era tudo igual, aquela coisa formal, como se a poesia exigisse aquele tipo de formalidade, como se fosse uma linguagem planetária. É uma coisa que me incomoda na poesia, essa formalidade, essa coisa superior, da elite. Temos que brigar com isso a cada verso que a gente faz. Tem um trecho do Manoel de Barros, em O Livro das Ignorãças, que eu adoro: “Encoste um cago no solene. E no sublime um pênis sujo”.
Mas o Ginsberg quebrou isso?
Sim. Entraram os poetas de países de primeiro a terceiro mundo, todos com a mesma formalidade, e então chamaram o Allen Ginsberg. Entra o cara de macacão jeans, uma barba desgrenhada, perna engessada, muletas, e começou a vociferar. Acho que devia ser um trecho do Uivo para Carl Solomon. Ele dava gargalhadas. Depois tirou uma sanfona da bolsa e começou a marcar, leu um blues, entoou cânticos. E eu pensei “é isso aí que eu quero, se um dia eu tiver que falar poesia vai ser com essa dicção”. Acho que está próxima do rock and roll. Isso me marcou. Foi a minha epifania na área de poesia falada, na área da performance poética. Dois anos depois, nós começamos as Artimanhas da Nuvem Cigana, no Rio. A Nuvem Cigana era um grupo muito presente da poesia marginal nos anos 70. Era um grupo de jovens cariocas, basicamente da zona sul, que jogavam futebol, pulavam carnaval, faziam poesia e publicavam uns livros, uns almanaques. A cada publicação a gente fazia uma Artimanha de lançamento, que terminava em carnaval. Artimanha era o happening da época, e graças a Deus a gente deu esse nome, não se misturou com happening, com performance, nada disso.
Qual sua opinião sobre as perspectivas e os caminhos do mercado cultural. Das bienais, do mercado editorial?
Infelizmente, está quase tudo atrelado ao mercado, a cultura no Brasil ficou atrelada ao mercado. As bienais são as feiras das editoras, ligadas à mídia. Eles colocam aquilo como sendo o máximo e enchem as bienais com um monte de gente que não sabe o que estão fazendo. Você faz um lançamento, mas ninguém vê nada. Eu acho uma coisa até meio nociva, porque a literatura passa a valer diante do que ela vende, como o cinema. Hoje em dia, um filme bom é um filme que tem 200 mil espectadores e vende não sei quantas mil cópias. Pararam de pensar na linguagem. Eu acho que o Estado, hoje em dia, tem ajudado nessa área literária. Eu, por exemplo, ganhei uma bolsa para publicar um livro de memórias que devo entregar logo mais. É uma dificuldade fazer um livro de poesia. As editoras dizem que não vende, então não estimulam o poeta a publicar. Para escrever um livro hoje, o poeta tem que inventar, tem que tirar da manga um estímulo. O meu último livro, antes das obras completas lançadas em 2007, foi A Vida É Curta pra Ser Pequena. Eu lancei porque estava fazendo 50 anos, e pensei “pô, estou fazendo 50 anos, isso é motivo para fazer um livro, Manuel Bandeira fez um livro”. Então é isso, você tem que inventar um estímulo porque senão só vai lançar livro de 50 em 50 anos.
O livro não é um fim, o livro é uma mídia, um meio. Uma coisa é fazer um livro, outra coisa é fazer ele chegar ao público. A gente sabe que a poesia não consegue chegar realmente ao público. Como fazer para que isso aconteça?
Você tem que trabalhar a base. É um trabalho de formiga, não é um trabalho rápido, fácil. É ir nas escolas, trabalhar o aluno. Só que antes de trabalhar o aluno, você tem que trabalhar o professor, aí a porca torce o rabo, como diriam os parnasianos. Tenho um projeto de fazer um livro chamado Contatos Imediatos do Segundo Grau, para alunos do segundo grau. Porque eu acho que a minha poesia é muito próxima, até por conta da experiência de 20 anos com o CEP, que tem um público muito jovem e que tem muito aluno de segundo grau. A minha linguagem é mais simples, não tem uma coisa erudita, requintada. É facilmente assimilável. Eu propus isso porque as editoras vão até as livrarias, mas depois elas não sabem mexer. O lance delas é fazer o produto livro e depois vender o produto livro. Elas não sabem vender livro de poesia. Para esse projeto, eu fui às escolas falar com os alunos, falar os poemas, conversar, brincar com eles. Inclusive, tem uma ideia interessante, que é fazer um livro que tenha um diálogo com a internet. Porque é aquela coisa, você tem que ir onde o público-alvo está. Quando o CEP começou, a gente fechava com uma banda de rock. A garotada ficava no bar bebendo e na plateia ficavam três ou quatro pessoas vendo também três ou quatro poetas no palco. Quando começava a banda de rock, a galera do bar entrava, era uma estratégia. Não adianta você fazer um evento só de poesia para meia dúzia de pessoas. Então a gente botava uma banda de rock, que não era uma coisa tão diferente assim dos poetas. Também não era um golpe de marketing, era uma coisa junta, a banda falava poesia também. Mas depois chegou o tempo em que o pessoal não gritava mais: “Rock and roll!”. Eles gritavam: “Poesia, poesia”. A banda tocando e o pessoal pedindo poesia. Habituou o ouvido. Mas essas coisas são estratégias, é engraçado isso, daria panos para manga. Tem uma estratégia que é a da indústria cultural. Você tem que fazer um livro e conversar com o livreiro, com os vendedores, porque eles são a ponte entre o livro e o comprador. Eles têm que saber o que o seu livro está falando. Então é uma coisa esquisita. Há 40 anos, quando eu distribuía livro de mimeógrafo na praia, eu nem imaginava que um dia teria que fazer isso. E tem a estratégia de guerrilha, do poeta, de ir diretamente ao leitor.
Chacal, por fim, a vida é curta para ser pequena?
Eu acho, continua sendo. Tem muita coisa para fazer e parece que não vamos dar conta do tempo, de fazer as coisas que a gente quer. A vida é uma só, a gente vai embora na hora que tiver que ir, também não temos domínio sobre o tempo. A frase é bonita.
Entrevista realizada por Fabio Maleronka Ferron e Sergio Cohn
no dia 18 de abril de 2010, em São Paulo.
Para assistir essa entrevista em vídeo:
https://producaocultural.procomum.org/2010/08/14/chacal/