Entrevista completa de Sergio Rodrigues, ao Produção Cultural no Brasil

A vida fez de Sérgio Rodrigues um artista da madeira dentro do modernismo concreto da arquitetura. Carioca, de jeito manso, tornou-se uma das grandes expressões do design brasileiro. Suas criações estão presentes em espaços culturais, lojas especializadas, residências e prédios públicos. Seus móveis são como objetos de arte, quase sinônimos dos anos 50 e 60. Rodrigues trabalhou com Oscar Niemeyer, Darcy Ribeiro e Israel Pinheiro. Ajudou a definir o estilo dos interiores de Brasília.

Sobrinho do escritor e dramaturgo Nelson Rodrigues, Sérgio lembra que uma das poucas vezes que cobrou uma cadeira de uma pessoa próxima foi justamente de seu tio. Na época, sua peça de maior sucesso era a poltrona Mole, premiada na Bienal Internacional de Cantu, na Itália, em 1961. Hoje, um clássico. Como homenagem, suas cadeiras serviram de base para a maioria dos entrevistados deste projeto Produção Cultural no Brasil.

Sobre a poltrona Mole, o jornalista Sérgio Augusto escreveu: “Ah, a poltrona Mole! Quem nunca se sentou em uma, não sabe o que é. Perdão. Nele, não se senta, refestela-se, repimpa-se, repoltreia-se. É um regaço de jacarandá, tiras de couro e almofadas, que entrou para história do mobiliário brasileiro da mesma época, com a força mais expressiva da bossa nova”. Foi, sem pretensão, a contraposição à famosa escola vanguardista Bauhaus.

O jornalista Sérgio Augusto escreveu assim sobre sua obra: “A poltrona Mole foi a resposta que tínhamos para dar à tirania da Bauhaus, um Garrincha de quatro pernas driblando o racionalismo teutônico”. Você concorda?
Sérgio Augusto é maravilhoso, incrível, tem boas ideias e as transmite. Acho maravilhosa a comparação da tirania da Bauhaus. O pessoal diz que eu tenho falsa modéstia, mas acho um pouco de exagero a maneira que falam de mim e do meu trabalho. Eu sei qual é o valor que tem. Se eu fosse fazer uma análise dos meus trabalhos, saberia perfeitamente o nível, em relação aos designers do exterior e os designers brasileiros. Agora, essa intervenção do Sérgio Augusto é maravilhosa, dá para ser entendida por qualquer leitor. O Gilberto Freyre uma vez também comparou a poltrona Mole com a cultura brasileira. Quando desenhei e criei a poltrona Mole, não pensava absolutamente no sucesso que ela teria aqui e que teve no exterior. Aliás, custou a ter aqui. Foi criada em 1957. No ano seguinte, foi apresentada em uma exposição. Eu ouvi pessoas falarem: “Ah, interessante! que coisinha engraçada!”. Mas a maioria das dondocas que passavam lá criticavam: “Olha, essa firma começou tão bem, e agora entrou no esculacho, fazendo essa porcaria de cama de cachorro, um ovo estalado em cima de quatro pés de madeira!” (risos). Na realidade, primeiro criei um sofá e, depois, mais tarde, é que veio a poltrona. A poltrona ficou um ano na vitrine da loja e não teve sucesso nenhum. Até que começaram a aparecer pessoas com certa cultura. A Niomar Muniz Sodré, então diretora do Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, comprou dois sofás e colocou no living dela, onde estavam todas as obras de arte, em uma posição de realce. Fiquei emocionado, não tenha dúvida. Então, apareceram outras figuras. O decorador do Roberto Marinho estava fazendo o iate dele e comprou duas poltronas. Imagina? O que é que eu ia dizer? “Isso aí não foi criado para iate!” Não tinha o que dizer (risos). Depois, o Carlos Lacerda comprou, o Adolpho Bloch também. Quando o Darcy Ribeiro comprou uma poltrona, ficou alucinado. Me chamou para trabalhar, fazer alguns trabalhos lá na Universidade de Brasília, onde ele era o reitor.
O próprio Carlos Lacerda, quando foi governador do Rio, recebeu um convite da Itália para representar o Brasil na Bienal Internacional do Móvel de Cantu. E o Lacerda apareceu lá no meu estúdio e disse: “Eu queria que você mandasse a poltrona. Gostei muito dela e acho que vai ganhar”. Eu disse: “Ô, governador, o senhor está brincando? Quatro pés de madeira e um almofadão de couro para ser julgado junto com 400 designers do mundo inteiro não é brincadeira. Eles estão usando material de primeira, fundição de alumínio, criando uma porção de novidades, baseado no surgimento desses materiais novos e tudo”. E ele: “Você vai mandar de qualquer maneira!”. Falava assim com certa rigidez. “Tá bom. Vamos mandar. Então, está bem”. E mandamos as plantas. Uma semana depois, vem um telegrama de lá, dizendo que lamentavam muito, achavam a peça interessante, mas a questão era que a peça já era conhecida na Itália. Isso, em 1961. Mas o Lacerda não se conformou: “Você tem que criar uma poltrona de qualquer maneira e mandar. Você vai ganhar. Tenho certeza disso”. Bom, não se cria uma poltrona em 10 minutos, não é? E ele pedindo: “Faz de qualquer maneira!”. Peguei a primeira poltrona Mole e fiz pequenas alterações na estrutura, mantendo o mesmo almofadão. Ele não percebeu e mandamos. Um mês depois, recebemos o diploma de primeiro lugar. E, confesso, não entendi o porquê naquele momento. Por que é que deram o primeiro lugar a uma coisa que foi feita absolutamente sem intenção nenhuma de estar concorrendo com o mundo? Fui saber o porquê anos depois, na Itália, na fábrica que comprou os direitos de fabricação. Eles disseram: “Essa foi a primeira manifestação pós-moderna”. Certamente, o Sérgio Augusto também não percebeu esse detalhe. É coisa de designers. A Bauhaus foi criada em 1919, e os produtores, designers e arquitetos de lá foram todos utilizando materiais novos da época, que eram tubos de aço, aquelas coisas todas. As principais peças foram feitas assim. Esses móveis começaram a ser aceitos depois de 1940 e introduzidos no mercado. E viraram a vanguarda. Assim, a poltrona Mole estava marcando uma nova fase na parte de criatividade do design de produto. O móvel passou a ter uma nova fase, que era aquelas peças gordas de madeira, que o pessoal da Bauhaus não usava.

Nos anos 50, quando aparece a Mole, é quando surgem os primeiros grandes designers: o Alexandre Wollner, o Aloísio Magalhães… e a ar- quitetura moderna estava fervilhando com a criação de Brasília. Como era o diálogo entre essas áreas?
Aqui em São Paulo havia grandes designers: Michel Armault, que fazia coisas maravilhosas; Zanine Caldas, que estava trabalhando com material de aeronáutica; Lina Bo Bardi, que eu considero a estrangeira que vestiu a camisa do Brasil; também conheci Joaquim Tenreiro ainda estudante e fiquei apaixonado pela maneira com que ele trabalhava; Giancarlo Palanti, que era italiano e veio logo depois da guerra…

Você acabou levando a estética da madeira para a arquitetura. Como foi isso?
Depois que eu casei queria fazer uma casa, uma casinhola no terreno do meu sogro. Pensei em fazer uma estrutura metálica, pegar uns tubos de água e fazer uma estrutura. Depois, eu disse: “Poxa! Gosto de madeira, curto a madeira, tem madeira aí para burro. Vamos fazer um estudo de casa de madeira”. Agora, para fazer casa de madeira, no Brasil, era uma coisa complicadíssima. Isso foi em 1948, eu ainda era estudante de arquitetura. Mas, anos depois, cheguei para o meu sócio e disse: “Olha, vou estudar casas de madeira. Vou estudar os elementos, partes moduladas de madeira, que permitem fazer qualquer tipo de casa. Vou fazer elementos para que o arquiteto construa uma casa”. Surgiu aí a primeira casa pré-fabricada, o primeiro estudo de casa pré-fabricada. Houve até uma história interessante. A Niomar Muniz Sodré, do Museu de Arte Moderna, foi até a minha loja, a Oca, e ficou entusiasmada com as maquetes. E disse: “O que é que é isso aí?”. Respondi: “São casas que eu pretendo fazer”. E ela: “Olha, vou inaugurar agora o grande pavilhão do Museu de Arte Moderna do Rio. Por que você não faz uma casa dessas lá?”. Eu falei: “Puxa, mas eu não tenho preço da casa, eu não tenho nada. Essa casa é para ser industrializada”. “Não! Faz que eu quero inaugurar junto. Quero prestar uma homenagem à arquitetura aliada ao design”. Eu fiz. Era para ficar 15 dias em exposição e ficou seis meses.
E foi aí que o Lúcio Costa viu o trabalho. Escreveu uma carta para o Israel Pinheiro, que era o “dono” da construção de Brasília, o homem que comandava a nova capital. Ele disse na carta: “Olha, casa de madeira não pode ser construída no Plano Piloto, mas essa casa eu acho que vai ser um sucesso e vai poder ser feita aí”. Nesse mesmo período, o Darcy Ribeiro era o reitor da Universidade de Brasília e me chamou para fazer os pavilhões da universidade. Fiz dois pavilhões, uma espécie de pousada para os professores que não tinham onde morar. Depois disso, o Iate Clube de Brasília quis uma casa. Foi um começo bastante bom.

Explica para a gente o que é o método SR2 [Sistema de Industrialização de Elementos Modulados Pré-Fabricados para Arquitetura Habitacional em Madeira] e a “estética da grossura”. O que são?
Existia um problema muito grande com os países latino-americanos, que eram contra a madeira. Os latinos-americanos descendem da cultura dos romanos, que não admitiam madeira. A madeira para a construção era para fazer a superestrutura – telhado, janelas, portas –, mas não para fazer casa. O romano dizia: “Casa de pedra e cal, para durar a vida inteira”. O Brasil não aceitava as firmas de pré-fabricação, elas não foram adiante. Então, pensei: “O que é que afastava o comprador, a pessoa que queria ter uma casa de madeira, que seria uma construção rápida e barata?”. É porque todas as casas pareciam feitas para cachorro, pareciam de passarinho. Não eram feitas por arquitetos. No fundo, era isso. Porque arquiteto, se pegasse uma encomenda de casa de madeira, faria uma casa perfeita. Aí eu desenvolvi elementos naturais, paredes, portas, que seriam produzidas em uma fábrica, você teria os pilares e toda a superestrutura da casa seria pré-fabricada, tinham determinados tamanhos. Era maravilhoso. Tenho casas de quatro pavimentos, totalmente de madeira: cozinha de madeira, banheiro de madeira, coisa que espantou muita dona de casa que via essas casas no cinema. E fiz diversas casas em um primeiro momento. Agora, o lamentável é que os pedidos eram poucos: cinco ou dez casas. E para uma indústria de pré-fabricados tinha que ser de 500 mil. Aí os valores passariam a ser atrativos, porque seriam grandes quantidades. Nunca tive uma oportunidade de fazer dessa maneira. Por serem construídas de maneira artesanal eram caras. Muita gente quis porque gostava do tipo, do charme. A casa era elevada do chão, com ventilação por baixo e as instalações elétricas e hidráulica também ficavam por baixo. Era uma novidade.

Como o senhor analisa o panorama atual de estudos de materiais, como a madeira, que no Brasil possuem diversidade imensa, mas também já colocou em risco de extinção muitas espécies. Houve avanços?
O Brasil tem a maior floresta tropical do mundo e tinha coisas excepcionais entre as qualidades do que chamamos de exigências da madeira. Mas eu me considero um pouco assassino, pois fui um dos causadores do extermínio do jacarandá. Eu fazia tudo em jacarandá. Vocês podem dizer: “Como? Não via que o jacarandá ia acabar?”. Mas esse espírito ecológico não existia na época. Encomendava-se jacarandá como se telefonava para uma quitanda. Fiz os meus móveis todos em jacarandá, em peroba – madeiras de lei, de alto nível. Aí essas espécies começaram a desaparecer. Começamos a pensar em utilizar madeiras da região Norte, que tinha mostruários incríveis. Porém, como é que essa madeira viria para cá? Não tinha como. A madeira passava a ter um preço exorbitante. De modo que comprávamos madeira até do Paraguai, onde a mata possui a mesma característica. Mas, só agora, os governos reconhecem que as madeiras foram retiradas inapropriadamente das florestas, foram roubadas das florestas, para serem exportadas de qualquer maneira. Na Amazônia, têm depósitos incríveis de madeiras apreendidas e estão sendo propostas novas formas de utilização das madeiras. E aí já é uma outra coisa. Existe vontade de usar de maneira certa essas madeiras excepcionais.

Como você saiu da empresa de móveis Forma e foi abrir seu ateliê?
Tive muito contato com arquitetos e designers estrangeiros, que trabalhavam na Forma. E achava aquilo muito interessante. Ali conheci Lina Bo Bardi e Gregori Warchavchik. Tive a chance de conhecer figuras importantíssimas. Até que o Carlo Hauner, o fundador da Forma, disse: “Sérgio, volta para o Rio que é a sua terra, você vai ter sucesso lá. Você faz sucesso aqui, tem uma criatividade grande, mas não é uma coisa do povo, não é uma coisa vendável, você precisa da sua terra mesmo”. Fui porque acreditava naquilo que eu ia fazer. Meti a cara, fui para o Rio, fiz a Oca, um misto de galeria e exposição de móveis. E eu tinha vontade de fazer móveis para atender a todo mundo. Mas ficava meio constrangido de ver as pessoas questionarem os preços: “Eu quero comprar. É tão bom uma poltrona Mole! Eu quero comprar, mas por esse preço”. Eu ficava arrasado. Não tinha tendência nenhuma comercial. Os meus amigos iam lá e eu: “Não, não vai pagar”. Ia o Juca Chaves, o Juarez Machado, o Vinícius de Moraes… A única pessoa próxima que eu cobrei foi o Nelson Rodrigues, meu tio, irmão do meu pai. Ele chegou lá, foi jantar e eu disse: “Vai ser tanto”. Fiquei envergonhado depois, desapareci da frente dele. É uma coisa lamentável…

A influência dos italianos é grande no design. Como eles se tornaram referência?
Aprenderam tudo de pai para filho. Esses mestres educavam o pessoal. Muitos deles foram fazer suas fabriquinhas e isso se tornou uma tradição. Aqui no Brasil, eles fizeram também suas fabriquetas e, no final dos anos 60, eles mesmos gozavam: “Ah, quantas pequenas Ocas existem por aqui?”. Tinha uma série de lojas e fábricas, fazendo o que eu fazia, talvez não a cópia exata, mas fazendo pequenas variações daquilo, mas com o mesmo acabamento. E muitos passaram pelo meu estúdio. Eram formados em marcenaria. Vieram formados da Itália, não por universidade, mas por determinadas firmas, determinadas escolas, umas apoiadas pelo governo e outras particulares.

E o desenho de móveis no Brasil? Como nasceu e de onde vem essa linha evolutiva?
Ah, desenho já é um pouco mais complicado. A Lina Bo Bardi, nos anos 1940, quando chegou ao Brasil, já produzia peças de bom nível. Ela veio mestrada. E outros vinham e traziam ideias também, mas sempre coisas estrangeiras. Depois, abrasileiradas, usando madeira daqui. Surgiu, portanto, sem escola nenhuma. Eu mesmo sou um exemplo disso. Não sou formado em design, me formei em arquitetura, sempre fui um apaixonado por essa parte de desenho de móveis. Por quê? Porque eu tive um tio-bisavô que não precisava de marcenaria, de nada, porque ele vivia de renda, mas tinha uma oficina no fundo da casa. Ele contratava dois operários de alto nível e fazia pequenos móveis. Eu, garotinho, seguia ali do lado, queria mexer em todo aquele negócio, achava interessante o cheiro da madeira, o cheiro da cola, dos vernizes. Tudo me entusiasmava. Ficava ligado, de certa maneira, na construção do móvel. Aí notei que ele fazia desenhos, embora muito esquematizados, e dava para os operários fazerem. Eles traduziam aquele desenho malfeito, que só ele entendia, e faziam uma peça bonita. Eu pensava: “Que maravilha!”. Comecei a prestar atenção e a fazer desenhos para os meus brinquedos. Antes de fazer, eu fazia o desenho. Para eu fazer um aviãozinho, eu fazia o desenho. Depois, produzia aquilo que eu tinha desenhado. Isso, na verdade, mais tarde veio dar em arquitetura e design, que era o desenho da criação. Agora, tive grandes colaboradores, estudantes, que trabalhavam e que tinham grande talento e espírito, tinham vocação para utilização da madeira, criação de mobiliário. O design não está ligado especificamente a móveis, tem milhares de coisas, não é? Tenho até hoje uma bengala, por exemplo, feita por um sobrinho meu, que trabalhou comigo durante 10 anos. Isso aqui não tem nada que ver comigo, mas muita gente olha e diz: “Isso aí é do Sérgio Rodrigues” (risos). Aqui, em São Paulo, você tem diversos profissionais importantes: o Carlos Motta, a Cláudia Moreira Salles, o Pedro Useche, toda uma série de designers que não fazem feio. Isso é muito bom.

Sérgio, é bom o leitor saber que você está dando esta entrevista sentado em uma cadeira sua, a Oscar… É uma referência ao Niemeyer, não é?Conte sobre dela.
Vou falar dessa cadeira. Ela foi criada em 1956 e eu estava tendo os primeiros contatos com o Oscar Niemeyer. Eu realmente era muito tímido. Agora, sou descarado, mas não era. Não chegava nem perto do Oscar. Para mim, era um ícone, um deus. Fiz a cadeira por encomenda do Jockey Club para uma determinada série de jogos. E eles não aceitaram, porque disseram que era uma cadeira muito nova e moderna. Não aceitaram porque disseram que era cópia de Brasília. E eu perguntava: “Qual prédio se parece com essa cadeira?”. Mas tive que tirar de lá, porque não gostaram. Deixei na loja. Certo dia, entra o Niemeyer, que ia constantemente lá, procurando móveis para o Catetinho. Quando viu essa cadeira – e ele não é de grandes efusões – falou: “Embrulha duas cadeiras dessas, que eu vou dar para minha filha”. Achei maravilhoso. A cadeira tinha sido rejeitada por um grupo de pessoas e ele chega e diz que quer. A cadeira se chamava Jockey, tirei o nome e rebatizei de Oscar. Acabei tendo um bom relacionamento com ele. Ele é discreto, não é de puxar o saco. Telefono para ele ainda com cerimônia: “Oscar, eu vou fazer uma visitinha a você”. Ele responde: “Pode vir e tal”. Levo uma garrafa de vinho para batermos papo. Ele é seco, mas muito simpático. Uma vez, ele me telefonou da Itália e encomendou móveis para o Palácio dos Arcos, o Itamaraty. Fiz o estudo a pedido dele. Teve também o Cine Brasília, que o Niemeyer fez com o Milton Ramos. Eles pediram para mim as poltronas do cinema. Fiz o interior e a recepção também. Em outra vez, ele ligou para pedir outra encomenda: “Sérgio, estou fazendo agora o Teatro Nacional de Brasília. Queria que você fizesse as poltronas. São três auditórios”. Fiz. Cada auditório ficou com um tipo de poltrona. Ia acontecendo assim. Ele encomendava, eu fazia. Também me pediu para fazer o mobiliário do Congresso Nacional.

Como é o processo criativo? A pesquisa e a criação? Como nasce o desenho?
Sou super egoísta, sou cliente de mim mesmo. Faço o que bem entendo, não dou satisfação a ninguém, não aceito modismos, nem tendências. Os meus móveis têm cara de 1950, 1970. Tenho uma certa caligrafia, um modo, um certo estilo, podemos chamar assim. É um modo de fazer móveis, com determinadas características, e que foram repetidas diversas vezes, uma infinidade. Fico sempre estudando em cima das peças. Tenho algumas variações de poltrona Mole. E tenho porque a peça chega e eu digo: “Mas quem sabe, fazendo assim e assado?”. Acredito que uma verdadeira costureira faria isso: o retoque, o detalhe. Sobe a bainha, desce a bainha, faz isso, faz aquilo. Com móvel, é assim. Lá em Brasília, o Itamaraty também ficou entusiasmado com os meus trabalhos. Me encomendou, uma vez, uma mesa para os ministros, buscando uma representatividade brasileira. Desenhei a mesa e foi aceita. E, no dia que a mesa foi exposta, antes da mesa ir para Brasília, o embaixador brasileiro na Itália estava comprando o Palazzo Doria Pamphili, a sede da embaixada, e pediu: “Quem desenhou essa mesa vai comigo para Itália”. Desenhei todos os móveis para eles, fiz todos lá para evitar custos de transporte. Me instalei na Itália, na casa do Carlo Hauner, fundador da Forma e que estava no norte da Itália, em Trieste. Ele tinha uma fábrica lá. Vi lá um tipo de jacarandá que eu nunca vi no Brasil, de tão maravilhoso. Era um tipo de exportação, que eu só tinha ouvido falar, mas lá era o verdadeiro. Deu para fazer o mobiliário todo lá. E o embaixador tentou falar com o presidente Juscelino Kubitschek várias vezes para dizer que as embaixadas tinham que ter móveis de artistas brasileiros para representar nossa cultura. Mas nunca avançou. Foi deixado de lado, não fizeram mais nada.

Como é a sua identidade brasileira por meio do design?
A arquitetura é o espelho de uma civilização. Em cada época você pode fazer o estudo da civilização pelo estudo da arquitetura. E também pelo mobiliário. Podem-se contar nos dedos os criadores de coisas absolutamente desligadas do que era feito no estrangeiro. Eu procurei a brasilidade. Acredito que consegui botar brasilidade no móvel. O móvel, na realidade, não é só a figura, a peça, não é só o material de que essa peça é composta, e sim alguma coisa que tem dentro dela, o espírito da peça, o espírito brasileiro. É o móvel brasileiro. Você pode fazer perna maior, perna menor, mas aquele móvel é Brasil. São todos brasileiros porque têm o espírito. Um exemplo que falo sempre é o do escritor Odilon Ribeiro Coutinho, quando elogia a poltrona Mole. Ele diz que é o ícone, a peça que representa o Brasil. Isso ele falando, não é designer, é filósofo. E ele diz que a poltrona tem o espírito indígena, você sente os pés da poltrona como se fossem tacapes, há as tiras de couro para segurar as almofadas, que são os catres do século 16 – aquelas camas de madeira, quatro pés e as tiras de couro. Têm a moleza e a sensualidade das senzalas.

Sérgio, para terminar, você acha que a poltrona Mole entra no Palácio do Planalto? Ela pode ser absorvida como arte nos edifícios da política?
Acredito que entra. Até já dei lá uma dica. É o seguinte: o Palácio do Planalto tem diversos cantos, não tem? O grande salão de estar do Palácio tem diversos cantos. E você ter uma peça, que é consagrada, ter assim, um grupo de peças, umas quatro ou cinco, em volta assim, de uma mesa redonda, funciona. Como se fosse para o pessoal fumar um charuto depois de um jantar, uma coisa nessa base. Bater papo mesmo. Para o presidente poder bater um papo com outro presidente de fora. Uma cadeira daquelas é muito mais interessante do que ficar no durinho (risos).

Entrevista realizada por Fabio Maleronka Ferron e Sergio Cohn
no dia 27 de maio de 2010, em São Paulo.

Para assistir essa entrevista em vídeo:
https://producaocultural.procomum.org/slider/sergio-rodrigues/

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